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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

L´amour em fuite - Truffaut (trecho)

"O incrível é verdadeiro com frequência"
"-Meu coração estava disparado.
-Você certamente me enganou. Se eu soubesse. Por que não me disse antes?
-Eu tenho escondido meus sentimentos por toda minha vida. Eu sempre fui evasivo.
-Você não confia em ninguém.
-Confio em você, Sabine. De verdade"

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carta de Heidegger para Hannah Arendt

"Querida Hannah:
Anseio por te ver novamente, num sentido a-fenomenológico. Sinto a tua falta na minha clareira ek-sistencial. A minha mulher é chata, idiota e deixa-me o ser doente. Além disso, não percebe patavina daquilo que escrevo. Porque será? Também não compreende que a verdade (no sentido platónico de aletheia) de uma re-lação reside na in-sistência que busca o des-velamento.
Oh, Hannah... Só tu provocas no meu ser-aí a ab-soluta ek-citação. Deixa-me ir à tua casa do ser. Tira-me deste vazio utilitário e devolve-me uma ek-sistência individual concreta. Vamos estudar juntos o ser-para-a-pequena-morte.
Do sempre teu (ou, pelo menos, enquanto o ser me animar o ente)..."

Martin Heidegger
Repostagem do blog:

sábado, 17 de dezembro de 2011

Um conto chinês - trecho

"Querido Roberto...
Nas três horas em que estive no ônibus até chegar ao meu povoado, não teve um só minuto em que eu não pensasse em você.
É certo que quase nem te conheço, mas apenas de te ver entrar ... senti que te conhecia de toda uma vida.
Talvez porque haja duas coisas que logo percebo nas pessoas: a nobreza e a dor, e você possui ambas".
Na foto, cena em que Mari & Roberto conversam

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Trecho do livro "Sobre ética e Psicanálise" - Maria Rita Kehl

"O homem contemporâneo quer ser despojado não apenas de sua angústia de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à competência médica e às intervenções químicas a questão fundamental do destino das pulsões, quer, enfim, eliminar a inquietação que o habita em vez de indagar o seu sentido".
"O que o apelo contemporâneo ao gozo faz é dificultar o nosso reconhecimento da lei, por falta de uma base discursiva que confira apoio e significado à impossibilidade do gozo. Isso afeta necessariamente o efeito da Lei sobre as pessoas? Talvez, na medida em que nos propomos um gozo impossível como ideal a ser atingido e não - como no caso de uma sociedade vitoriana, por exemplo - como mal a ser evitado. Assim, o apelo ao gozo produz mais angústia do que o gozo propriamente dito, mais violência (pois é com violência que reagimos à violência dos imperativos) do que fruição".
(Maria Rita Kehl, em "Sobre ética e Psicanálise". SP: Companhia das Letras, 2007, p.8-15)

Trecho do livro "A histeria" - Juan David Nasio

"Atravessamos a angústia quando uma palavra, um acontecimento, um gesto ou um silêncio, não importa, uma revelação fulgurante proveniente do psicanalista ou surgida de improviso em mim mesmo, analisando, me faz compreender que eu podia aceitar perder, porque o risco nunca foi o risco de um todo, mas de uma parte; e de uma parte que estará sempre perdida. Compreendi, não mentalmente, mas em ato, que qualquer que seja o resultado final dessa travessia da angústia, o risco continuará necessariamente parcial, e a perda, inevitavelmente sofrida. Compreendi, e meu corpo compreendeu, que nunca perderei tudo, e que, se ganhar, jamais ganharei sem perder ".
(Juan David Nasio. A Histeria. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. p.91)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carta de Frida para Diego, por ocasião do aniversário dele, em 8/12/1938

São seis da manhã
e os perus estão cantando.
calor da ternura humana
Solidão acompanhada -
Nunca me esquecerei da sua presença
por toda a minha vida
Você me recolheu quando eu estava destruída
e me fez inteira de novo
Nesta pequena terra
Pra onde hei de dirigir meu olhar?
Tão imenso e profundo!
Já não há mais tempo. Já não há mais nada.
Distância. Só existe a realidade
O que foi, se foi pra sempre!
O que existe são raízes
que parecem transparentes
transformadas
Na eterna árvore frutífera
Suas frutas me dão sua cor
crescendo com a alegria
dos ventos e floradas.
Não pare de dar sede
à árvore da qual você é o sol, a árvore
que entesourou sua semente
"Diego" é o nome do amor.
(In: Frida, a biografia. Hayden Herrera. São Paulo:Globo, 2011. p.293)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O prisioneiro da passagem - Hugo Denizart (1982)


Realização: Hugo Denizart
Direção: Maria Alves de Lima
Produção: CNPI (Centro Nacional de Produção Independente)
Edição e montagem: Ricardo Miranda
Fotografia e câmera: John Howard Szerman
 *
Documentário curta sobre o sergipano ex marinheiro, pugilista, acidentado de trabalho pela Viação Excelsior (subsidiária da Light) e empregado doméstico, Arthur Bispo do Rosario, interno número 01662 daquele que chegou a ser o maior manicômio das Américas durante os anos 1960, a Colônia Juliano Moreira, no bairro de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, sob o diagnóstico único de esquizofrênico paranóico, desde os seus presumíveis 29 anos de idade, em 25 de janeiro de 1939 (cinco anos depois do interno fugitivo Ernesto Nazareth ser encontrado morto por afogamento), até o seu infarto do miocárdio às dezenove horas do dia 5 de julho de 1989.
O legado de Bispo de mais de 1000 peças, entre bordados, estandartes, “assemblages”, roupas, esculturas, arquivos e anotações, começou a ser conhecido fora do manicômio a partir de uma reportagem do jornalista Samuel Wainer Filho para o programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 18 de maio de 1980, cuja pauta inicial era denunciar os maus tratos sofridos pelos internos psiquiátricos. Dois anos depois, foi convencido a permitir que algumas de suas peças saíssem do manicômio para integrarem a exposição coletiva “À margem da vida”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, junto com trabalhos praxiterapêuticos de presidiários, menores infratores, idosos e alguns outros pacientes psiquiátricos.
***
Hugo Denizart “nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1946, e singularizou-se por unir a fotografia à sua experiência como psicanalista e psiquiatra, muito embora tenha tido um começo de carreira ortodoxo no campo da imagem por atuar como repórter fotográfico do Jornal do Brasil entre 1971 e 1973. Seu primeiro ensaio pessoal focalizou os moradores de rua do Ceará, em 1971. Concentrou-se depois na cidade do Rio de Janeiro, onde realizou significativos e distintivos ensaios sobre temas polêmicos e candentes como a Cidade de Deus (1978); os internos da colônia psiquiátrica Juliano Moreira (1980); as prostitutas de Vila Mimosa (1988); e os travestis da praça Tiradentes (1997). Publicou os livros de fotografia: Região dos Desejos (1983); Inventando Corpos (1987); Como Eles Dizem… (1991); e Engenharia Erótica (1998); assim como um livro de poesia e textos curtos intitulado Conto do Vigário (2003).” (Pedro Vasquez, “Memória das Artes”, Funarte: funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/biografia-de-hugo-denizart/ )
“Dirigiu os filmes documentários Líderes de quadrilha (1980); Prisioneiro da passagem (1982), sobre o artista Arthur Bispo do Rosário, interno da Colônia Juliano Moreira; e Região dos desejos (1983), sobre as internas da Colônia Juliano Moreira. Recebeu o prêmio de melhor exposição de fotografia da Associação Paulista de Críticos de Arte (1984).” (Coleção Pirelli/MASP de Fotografia: colecaopirellimasp.art.br/autores/115/obra/415 )

 Documentário disponível no link:

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Simone Beauvoir - Não se nasce mulher


“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, económico, define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Só a mediação de outrém pode constituir um indíviduo como outro.” (Beauvoir, 1987:13).

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Sobre Frida Kahlo

Vídeo disponível no youtube com imagens reais de Frida Kahlo:

"Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, terceira filha de Guilhermo e Matilde Kahlo, nasceu em 6 de julho de 1907, às oito e meia da manhã, em plena estação das chuvas de verão, quando o alto platô da Cidade do México fica abafado e úmido. Os primeiros dois nomes foram dados a Frida para que ela pudesse ser batizada com um nome cristão. Seu terceiro nome, o que a família usava, sognifica "paz" em alemão (embora em sua certidão de nascimento conste a grafia "Frida", o nome da pintora foi escrito com e - Frieda -, à moda alemã, até o final da década de 30, quando ela abandonou a letra por causa da ascensão do nazismo na Alemanha)".
(In: Frida: a biografia - Hayden Herrera. São Paulo: Globo, 2011. p.24). 

Documentário sobre Frida Kahlo

Parte I:

Parte II:

Parte III:

Parte IV:

Parte V:

Parte VI:


Asas do desejo - Wim Wenders

"Quando a criança era criança, era tempo dessas perguntas:
Por que eu sou eu e não você?
Por que estou aqui e por que não lá?
Quando começou o tempo e onde termina o espaço?
Será que a vida sob o sol nada mais é do que um sonho?
Será que o que vejo, escuto e cheiro não é apenas uma miragem do mundo anterior ao mundo?"
"Não quero pairar para sempre. Quero sentir um certo peso que ponha fim à falta de limite e me prenda ao chão".
"Algo aconteceu.
Ainda está acontecendo.
Foi verdade ontem à noite e é verdade agora, neste momento.
Quem foi quem?
Estive dentro dela, e ela, em volta de mim.
Quem nesse mundo pode dizer que já esteve unido a outro ser?
Eu estou unido.
Nenhuma criança mortal foi concebida, mas sim um quadro imortal compartilhado.
(...) Ela me levou para casa, e encontrei o meu lar.
Aconteceu uma vez.
Aconteceu uma vez, portanto vai acontecer.
A imagem que criamos me acompanhará quando eu morrer.
Terei vivido em seu interior.
Somente a estupefação com nós dois, a estupefação com o homem e a mulher, me tornou humano.
Eu...agora...sei... o que nenhum anjo sabe".
"Não existe história maior do que a nossa, a de um homem e uma mulher.
Será uma história de gigantes.
irreversível, contagiosa, uma história de novos ancestrais".
"Ontem à noite eu sonhei com um estranho...com o meu homem. Apenas com ele eu poderia ser solitária, me abrir totalmente.
Recebê-lo em mim como um ser inteiro.
Envolvê-lo num labirinto de felicidade compartilhada.
Eu sei que ele é você"
Mais sobre o filme no link:

Trailer:

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ocupa sampa - aula pública com Vladimir Safatle (Parte I I I)

"Nós entendemos o que vocês querem, o que vocês querem é legítimo".
*
"Hoje ninguém em sã consciência é capaz de acreditar no capitalismo".
*
"Nunca se penseou sem descrença. Quando se acredita demais em alguma coisa, você não tem razão de colocar em marcha a potência criativa do pensamento".
*
"Confiar no indeterminado (...) confiar no impossível é um elemento fundamental para que os processos criativos ocorram".
*
"Alguma coisa que possa ganhar uma dimensão maior do que todos nós...se nós acreditarmos nisso, é possível que isso ocorra. A possibilidade disso já vale uma vida".

Ocupa sampa - aula pública com Vladimir Safatle (Parte I I)

"Em certos momentos, calcular o menos pior é uma questão de sobrevivência".
*
"As estruturas partidárias estão esvaziando o campo do político, é necessário reconduzir o campo do político a sua força produtiva".
*
"Reconhecer que algo morreu, é o elemento fundamental para que algo novo possa aparecer".
*
"Diga quem são seus inimigos que eu digo o que vocês são capazes de fazer".
*
"Liberdade é um nome de um valor conflitual".

Ocupa sampa - aula pública com Vladimir Safatle (Parte I)

"Eu nunca entendi a dicotomia entre teoria e praxis, porque o pensamento, quando ele pensa de verdade, ele age" -  Heidegger, em "Cartas ao Humanismo", sendo citado por Vladimir Safatle, na Aula pública Universo Cidade Livre -Ocupa Sampa.
 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Os ombros suportam o mundo - Carlos Drummond de Andrade

Uma pequena homenagem ao aniversário de 109 anos de um grande poeta.....

"O escolar", de Vicent Van Gogh.
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
 Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Desterro - João Guimarães Rosa

Eu ia triste, triste, com a tristeza discreta dos fatigados,
com a tristeza torpe dos que partiram tendo despedidas,
tão preso aos lugares
de onde o trem já me afastara estradas arrastadas,
que talvez eu não estivesse todo inteiro presente
no horror dessa viagem.
Mas a minha tristeza pesava mais do que todos os pesos,
e era por causa de mim, da minha fadiga desolada,
que a locomotiva, lá adiante, ridícula e honesta,
[bracejava,
puxando com esforço vagões quase vazios,
com almas cheias de distância, a penetrar no longe.
A tarde subiu do chão para a paisagem sem casas,
e o comboio seguia,
cada vez mais longe, mais fundo, a terra mais vermelha,
o esforço maior, as montanhas mais duras,
como sabem ser duros os caminhos,
pelos quais a gente vai, só pensando na volta...
Coagulada em preto,
a noite isolou as cousas dentro da tarde,
e o barulho do trem foi um rumor de soçobro
no fundo de um mar sem tona.
Nem mesmo foi a noite: foi a ausência
brusca e absurda do dia.
Tão definitiva e estranha, que eu me alegrei, esperando
o não continuar da vida,
o não-regresso da luz, o não-andar-mais do trem....

Mitologia - José Saramago

Ou deuses, noutros tempos, eram nossos
Porque entre nós amavam. Afrodite
Ao pastor se entregava sob os ramos
Que os ciúmes de Hefesto iludiam.

Da plumagem do cisne as mãos de Leda,
O seu peito mortal, o seu regaço,
A semente de Zeus, dóceis, colhiam.

Entre o céu e a terra, presidindo
Aos amores de humanos e divinos,
O sorriso de Apolo refulgia.

Quando castos os deuses se tornaram,
O grande Pã morreu, e órfãos dele,
Os homens não souberam e pecaram.
 
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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A vida secreta das palavras

"- Pensei que você e eu talvez pudéssemos ir a algum lugar juntos, um destes dias...hoje...agora mesmo...vem comigo.
- Não, eu......creio que não vá ser possível.
- Por que não?
- Porque se vamos a algum lugar juntos, tenho medo que um dia, talvez não hoje, nem amanhã, mas um dia, de repente.....pode ser que eu comece a chorar e chore tanto que nada nem ninguém possa impedir. E as lágrimas encham o quarto e me falte o ar e te arraste comigo e nos afoguemos os dois.
- Aprenderei a nadar, Hanna. Prometo. Aprenderei a nadar".
(Trecho final do filme "A vida secreta das palavras").
 

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Uma criatura dócil - Dostoiévski (fragmento).

"Sou mestre na arte de falar em silêncio, passei minha vida toda conversando em silêncio e em silêncio acabei vivendo tragédias inteiras comigo mesmo. Oh, pois eu também era infeliz! Fui desprezado por todos, desprezado e esquecido, e ninguém, absolutamente ninguém sabe disso! E depois, de repente, vem essa garota (...), pega de gente infme detalhes sobre a minha vida e pensa que sabe tudo, enquanto o que é secreto continua encerrado no peito deste homem!" (pgs.29-30).
*
"Que me importam agora as vossas leis? De que me servem os vossos usos, os vossos costumes, a vossa vida, o vosso Estado, a vossa fé? Que me julgue o vosso juiz, que me levem para um tribunal, para o vosso tribunal público, e direi que eu não reconheço nada. O juiz gritará: "Cale-se oficial!". E começarei a gritar: "Onde está agora esse vosso poder para me fazer obedecer? Por que a tenebrosa rotina foi destruir aquilo que me era mais caro do que tudo? O que são as vossas leis para mim, agora? Eu estou me apartando de tudo isso". Ora, pouco importa!
(...) Você não sabe com que paraíso eu a teria cercado. O paraíso estava em minha alma, eu o teria plantado em seu redor! Bem, se você não me amava, muito bem, qual o problema? As coisas poderiam ter sido assim, tudo poderia ter permanecido assim. Podia contar-me coisas apenas como a um amigo, e aí nos divertiríamos e riríamos alegremente, olhando nos olhos um do outro. Poderíamos viver assim. E caso se apaixonasse por outro, pois que fose, que importa! Você poderia ir com ele, sorindo, enquanto eu ficaria olhando do outro lado da rua...Oh, pouco importa isso tudo, a única coisa que me importa é que abra os olhos, ao menos por um único instante! (...).
A rotina! Oh, natureza! Os homens estão sozinhos na terra, essa é a desgraça! (...) Dizem que o Sol dá vida ao universo. O Sol está nascendo, olhem para ele, por acaso não é um cadáver? Tudo está morto, e há cadáveres em toda parte. Os homens estão sozinhos, rodeados pelo silêncio - isso é a terra! "Homens, amai-vos uns aos outros" - quem disse isso? De quem é esse mandamento? O pêndulo bate de um modo insensível, nauseante. São duas horas da madrugada (...). Não, falo sério, quando a levarem amanhã, o que vai ser de mim?" (pgs.87-8).
*
(Uma criatura dócil. São Paulo: Cosac Naify, 2009 [1876]).

Don´t you remember- Adele

Only the one - Adele

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Xote do edifício - Zeca Baleiro

"Se você quiser te dou meu coração
Arranco ele do peito com canivete
Dói um pouco mais depois passa
Como tudo passa, o trilho, o trem
... Se você quiser, só se você quiser
Te dou minha mão, meu pé
Uma perna, um braço
Sem eles eu passo
Sem eles eu passo muito bem
A dor que me dói, também conforta
Dói e pouco me importa então
Morrer de amor
Morrer de amor, morrer de amor
Morrer de amor não é difícil, não
Se atirar do edifício
Viver de amor é que é difícil
Se atirar"

Música para download no link:

terça-feira, 4 de outubro de 2011

My body is a Cage - Peter Gabriel (tradução)

Meu corpo é uma jaula, que me impede
De dançar com aquela que amo
Porém minha mente segura a chave
Meu corpo é uma jaula, que me impede
De dançar com aquela que amo,
Porém minha mente segura a chave
Eu estou em uma cena
De medo e insegurança
É uma peça horrível,
Mas eles aplaudirão mesmo assim
Meu corpo é uma jaula, que me impede
De dançar com aquela que amo,
Porém minha mente segura a chave
Você está perto de mim
E minha mente segura a chave
Estou vivendo em uma época
Que chama a escuridão de luz
E apesar de minha língua estar morta,
Suas formas ainda preenchem a minha cabeça
Estou vivendo em uma época
Cujo nome não sei
E apesar do medo me manter seguindo em frente
Meu coração ainda bate tão lentamente
Meu corpo é uma jaula, que me impede
De dançar com aquela que amo
Porém minha mente segura a chave
Você está em pé ao meu lado
E minha mente segura a chave
Meu corpo é uma...
Meu corpo é uma jaula
Nós usamos o que nos foi dado
E só porque você esqueceu
Não quer dizer que esteja perdoado
Estou vivendo em uma época
Que grita meu nome à noite
Porém quando eu chego à saída
Não há ninguém à vista
Você está perto de mim
E minha mente segura a chave
Liberte o meu espírito...

Download da música no link:

Cena do seriado no link:

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Conheço a resistência da dor - Cecília Meireles

Melancolia, de Edward Munch

Conheço a residência da dor.
É um lugar afastado,
Sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
Com umas imensas vigílias diante do céu.
A dor não tem nome,
Não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
Nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.
O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
Mas não é rosto de corpo,
Nem o seu espelho é do mundo.
Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência, longe,
Em caminhos inesperados.
Às vezes sento-me à sua porta, na sombra das suas árvores.
E ouço dizer:
"Quem visse, como vês, a dor, já não sofria".
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Arte e ciência na psicanálise

Lacan conjuga em seu ensino duas vertentes aparentemente opostas, mas que se complementam: a arte e a ciência, ou - poderíamos dizer com ele - a poesia e o matema.
Seus textos e seminários são escritos e falas que sabem lidar com as palavras, explorando todos os seus elementos constitutivos: os fonemas (materialidade sonora), a letra (recurso da escrita) e a multiplicidade de sentidos (semântica). Ele adora recorrer à referência etimológica: andava sempre com um exemplar do clássico dicionário etimológico da língua francesa Bloch et von Wartburg embaixo do braço, vivia exortando os analistas a fazerem o mesmo e ainda os aconselhava a fazer palavras cruzadas. Seu discurso esgarça os limites da sintaxe, explorando os registros linguísticos da escrita e da fala para produzir equívocos. Como Freud, aliás, ele insiste em que o analista deve ser letrado e deve saber usar os recursos de estilo. Dentre eles destacam-se, tanto em sua escrita quanto em sua fala, a ironia, a antítese, o jogo de palavras, a criação de homofonias e o rebuscamento. Enfim, seu estilo é barroco, assim como o de Freud é clássico. Curiosamente, os charutos de ambos são emblemas desses estilos: o de Freud tão grande e alinhado e o de Lacan todo entortado! De fato, Lacan considera que seus escritos não se destinam a uma simples leitura, mas, como as formações do inconsciente, devem ser decifrados.
Em 1930, Freud recebe da cidade de Frankfurd o cobiçado Prêmio Goethe de Literatura pelo conjunto de sua obra. Seu bevíssimo artigo de 1916, intitulado "Sobre a transitoriedade", é unanimemente considerado um ensaio poético. E os textos de Lacan são atualmente cada vez mais estudados nos departamentos de literatura das universidades.
É preciso chamar atenção para o fato de que a literatura exerce um papel preponderante na constituição da psicanálise, na medida em que atravessa toda a obra de Freud: de Sófocles a Shakespeare, que ele denomina de "o grande psicólogo". Freud aprende com os romancistas e os poetas, retirando deles continuamente ensinamentos. Ele dizia inclusive que não havia nada que conseguisse formular cientificamente que já não houvesse sido abordado pelos escritores. Em Sobre o ensino da psicanálise nas universidades, ele abre um espaço significativo para a literatura, propondo uma ligação mais estreita, "no sentido de uma universitas literarum", entre a ciência e as artes.
Lacan toma a proposta freudiana ao pé da letra. Ele não só sublinha frequentemente a percepção de um saber na criação literária, mas também afirma que os poetas sempre dizem as coisas na frente dos outros. Com Lacan, os psicanalistas passam a ser exigidos a se reincluir no mundo do saber, do qual haviam se afastado a partir do momento em que os pós-freudianos reduziram a psicanálise a uma técnica de adaptação ligada à medicina.
A erudição de Lacan, assim como a de Freud, é impressionante. Sem dúvida, essa erudição é efeito de um desejo de saber sobre as questões cruciais do homem. A contribuição de Lacan é efetiva na medida em que articula o saber psicanalítico com as disciplinas contemporâneas a que Freud não tivera acesso, como a linguística e a antropologia. Além disso, sua paixão pela filosofia e seu interesse pela matemática e pela lógica o levam a produzir constantemente uma articulação desses campos do saber com a psicanálise.
Seguindo os passos de freud, Lacan também almeja conquistar o status de ciência para a psicanálise. Mas essa busca de cientificidade não é incompatível com a arte do bem dizer. A frase de Buffon "O estilo é o homem" inicia o texto de abertura dos Escritos, onde duas questões são privilegiadas: "o estilo que seu endereçamento impõe" e a convocação do leitor para dar "algo de si".
Em relação à cientificidade da psicanálise, a contribuição mais importante de Lacan é a construção gradual de matemas. Para isso, ele recorre às fórmulas matemáticas, já que estas são a via pela qual as ciências operam sobre o real. Como é possível mandar um homem para a Lua? Através de fórmulas matemáticas que conseguem arrancar dele as leis que ali vigoram. Nesse sentido, toda ciência é uma tentativa de simbolizar o real, ou melhor, como dizia Lacan, uma pontinha dele.
Lacan chega aos matemas aos poucos. Inicialmente estabelece algumas letras, denominadas por ele de álgebra lacaniana: S1, S2, S, a. Depois, vai articulando essas letras entre si e compondo pequenas fórmulas, como a da fantasia, a do sintoma, dos quatro discursos etc. Em 1976, quando vai ministrar conferências nos EUA, os psicanalistas norte-americanos perguntam se quer matematizar tudo e ele responde que não, que apenas pretende "começar a isolar na psicanálise um mínimo passível de ser matematizado", isto é, quer introduzir algumas fórmulas que funcionem como balizas minimamente seguras para o trabalho dos psicanalistas e para a troca teórica entre eles. Além disso, os matemas são fórmulas que asseguram a transmissão de conceitos centrais da psicanálise, ainda que permitam uma pluralidade de leituras.
(In: Lacan, o grande freudiano. Marco Antônio Coutinho Jorge. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar,2009. p.10-3.) 


Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém - Antônio Gedeão

"Desespero", de Edward Munch

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


Mais poemas no blog:
http://leaoramos.blogspot.com/

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Figura - Orlando Morais

Escultura "A eterna Primavera", de Rodin

A mim não importa ser a sombra
quando você é a figura
ser a situação quando você é o assunto
...

Eu nasci pra estar ao seu lado
mesmo se não estamos juntos
e é por isto que quando gritas
permaneço calado
como o sol determina
retrato falado, meu pé de laranja lima
nós somos assim como um desenho
talvez reflexo e refletor
...
Você, as imagens que tenho
as que quero
as que tenho amor


Música disponível para download no link:
http://www.4shared.com/audio/Lf9jQ_04/Orlando_morais_Figura.html

As metamorfoses - Ovídio (trecho)

"Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio...O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia susceder a escuridão da noite...Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida?
Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova...a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor: Tudo floresce. O fértil campo resplandesce com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas emranquecem. Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos. Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso...E também a natureza não descansa e, renovadora, encontra outras foras nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados...todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos ou de ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre os perfumes. De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos...Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste".
(In: Convite à Filosofia - Marilena Chauí.  12 ed. São Paulo: Ática, 2000. p.24-5).
Para saber mais sobre Metamorfoses, de Ovídio, acesse:


O amor em Leningrado


"- Conte-me sobre o seu Sr. Parker.
- Oh, o Sr. Parker?... Ele parece saber como é. Como tocar você e fazer eletricidade percorrer seu corpo. Como abraçar e acarinhar você. E como despir você...
- E depois?
- E depois? Você pára de pensar. Percebe que não há vergonha. Que pode fazer tudo com ele. Sesus corpos pertencem a vocês dois ao mesmo tempo. Ninguém precisa dizer nada..."

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Histeria & Obsessão - Vladimir Safatle

No caso da histeria, a questão norteadora seria: "O que é uma mulher?". Já na obsessão, teríamos:"Estou vivo ou estou morto?".


Vem do psicanalista Jacques Lacan a idéia de que a neurose é, no fundo, uma questão. Neste momento em que os diagnósticos clínicos psiquiátricos simplesmente abandonaram o conceito de neurose, como se se tratasse de algo muito vago e amplo, a idéia lacaniana mereceria ser levada mais a sério.
Por trás dela, há a importante compreensão de que certos sujeitos podem organizar suas vidas de maneira tal que, em vários momentos, uma mesma questão aparecerá mostrando como as respostas anteriores eram provisórias.
Essa pergunta vai polarizar os conflitos, indicando um ponto estruturalmente frágil sem resposta definitiva.
Note-se que a natureza neurótica da pergunta não está na sua enunciação, pois não há nada em sua enunciação que seja particularmente extraordinário. Na verdade, ela se encontra na impossibilidade de suportar a ausência de uma resposta decisiva que nos colocaria, de uma vez por todas, em uma posição existencial assegurada.
Por isso, para o neurótico, tais questões são insuportáveis e insuperáveis, fonte constante de sofrimento psíquico. Elas se transformaram no dispositivo de confrontação constante com o desamparo.
No quadro clínico psicanalítico, encontramos, principalmente, duas formas estruturais de neurose: a histeria e a obsessão. Como tais, elas desapareceram dos manuais de psiquiatria contemporâneos (como o DSM-IV e o CID-10).
No entanto, seus sintomas foram dissociados, produzindo várias nosografias, como o transtorno de personalidade histriônica, o transtorno obsessivo-compulsivo, os transtornos somatoformes, entre outros.
Uma boa pergunta é: "O que se perdeu com a dissecação da histeria e da obsessão em vários subsistemas de sintomas?". Uma das boas respostas que Jacques Lacan nos propiciaria seria: "Perdeu-se a capacidade de compreender as questões que animam a vida dessas pessoas e que as levam a situações constantes de sofrimento".
No caso da histeria, a questão norteadora seria: "O que é uma mulher?". Já na obsessão, teríamos: "Estou vivo ou estou morto?".
A dissemetria dessas duas questões é apenas aparente. Embora a primeira veicule, de maneira mais evidente, posição existencial e identidade de gênero (o que não poderia ser diferente na medida em que a psicanálise se serve das neuroses para pensar o processo conflitual de produção de tais identidades), as duas são modos de expor a insegurança a respeito dos vínculos produzidos pelo desejo.
No decorrer de nossas vidas, assumimos papéis, modelos de comportamento e posições que parecem desvelar, em ocasiões particularmente difíceis, uma grande carga de alienação.
Uma mulher que transforma a feminilidade em uma questão existencial demonstra claramente o estranhamento de quem se pergunta: "O que h´em mim que me faz suportar o lugar ("mulher") no qual estou e para o qual o olhar desejante do outro se volta?".
Como uma clássica filósofa nominalista, ela vê o nome como uma estranha etiqueta que se cola sobre as coisas. Como ela é essa coisa, tudo sepassa como se o desejo daquele que cola etiquetas fosse, de longe, um mistério e, de perto, uma fonte repugnante de angústia e desgosto.
Desse impasse, ela não saberia escapar, já que os dois pólos são, à sua maneira, verdadeiros.
Já aquele que se pergunta se está realmente vivo, aquele que sente em si mesmo algo em processo inexorável de mortificação, age como se a presençado desejo que vivifica não fosse algo evidente. Fácil seria dizer que tais pessoas se colocaram em posições nasquais os papéis emodelos assumidos funcionam como uma defesa mortificante contra o próprio desejo.
No entanto, elas parecem dizer que não sabem onde está esse desejo capaz de nos livrar de um desamparo mortificante. Elas não têm certeza se tal desejo está fora ou dentro dos papéis e modelos assumidos. Desse impasse, elas também não sabem como escapar.
Talvez porque nos dois casos, como dizia Wittgenstein, a resolução do problema não acontece com uma boa resposta, mas apenas quando desenvolvemos a força de esquecer o problema.
(Coluna extraída da revista CULT nº 161 - Ano 14 - set/2011)