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domingo, 31 de janeiro de 2021

Paula - Isabel Allende


"Para que tantas palavras se você não pode me ouvir? Minha vida se faz ao ser contada e minha memória se fixa com a escrita; o que não ponho em palavras, no tempo se apaga (...) Jogo-me nestas páginas numa tentativa irracional de vencer meu terror, parece que, dando forma a esta devastação, poderei ajudar você a me ajudar, o meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" - (pp. 16-17).

*

"Posso viver por você? Tê-la dentro de meu corpo para que viva os cinquenta ou sessenta anos que foram roubados? Não quero sua lembrança, quero viver sua vida, ser você, que ame, sinta e possa palpitar dentro de mim, que cada gesto meu seja um gesto seu, que minha voz seja sua voz. Vou me anular, desaparecer para que você tome posse de mim, que sua incansável e alegre bondade substitua completamente meus medos antigos, minhas pobres ambições, minha vaidade exausta" - (p.419).

(In. Paula. Isabel Allende. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010).

"Se é correto que a morte não existe e que somente morremos quando nos esquecem, minha filha viverá por muito tempo" - (Isabel Allende no Prólogo do livro Cartas à Paula. Rio de Janeiro: Bertrand, 1997, p.22).


Sobre o livro:

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A trégua - Mário Benedetti

 

"Mas tudo sempre foi por demais obrigatório para que pudesse me sentir feliz" - (p.10).

"Porque já aprendi que meus estados de pré-explosão nem sempre conduzem à explosão. às vezes terminam numa humilhação lúcida, numa aceitação irremediável das circunstâncias e de suas diversas e agravantes pressões. Gosto, no entanto, de me convencer de que não devo me permitir explosões, de que devo freá-las radicalmente, sob pena de perder meu equilíbrio. Então saio como saí hoje, numa encarniçada busca do ar livre, do horizonte, de sei lá quantas coisas mais. Bom, às vezes não chego ao horizonte e me conformo com me acomodar à janela de um café e registrar a passagem de umas pernas bonitas" - (p.11).

"Francamente, não sei se creio em Deus. às vezes, imagino que, no caso de existir Deus, esta dúvida não o desgostaria. Na realidade, os elementos que ele (ou Ele?) mesmo nos deu (raciocínio, sensibilidade, intuição) não são em absoluto suficientes para nos garantir nem sua existência nem sua não-existência. Graças a um impulso do coração, posso acreditar em Deus e acertar, ou não acreditar em Deus e também acertar. E então? Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa" - (p.34).

"A felicidade, a verdadeira felicidade, é um estado muito menos angelical e até bem menos agradável do que tudo o que a gente sempre tende a sonhar. Ela diz que, em geral, as pessoas acabam se sentindo desgraçadas só por terem acreditado que a felicidade era uma permanente sensação de indefinível bem-estar, de êxtase de gozoso, de festival perpétuo. Não, diz ela, a felicidade é bastante menos (ou talvez bastante mais, só que, de todo modo, é outra coisa), e o fato é que, na verdade, muitos desses supostos desgraçados são felizes, mas não se dão conta, não o admitem, porque acreditam estar muito longe do bem-estar máximo. É algo semelhante ao que acontece com os desiludidos da Gruta Azul. A que eles imaginaram é uma gruta de fadas, não sabiam muito bem como era, só que era uma gruta de fadas e, ao chegarem la´, constataram que todo o milagre consiste em meter as mãos na água e ver que elas ficaram levemente azuis e luminosas" - (pp. 93-94).

"Uma vez, faz muitos anos, ouvi o mais velho deles dizer: "O grande erro de alguns homens de comércio é tratar seus empregados como se estes fossem seres humanos". Nunca me esqueci dessa frasezinha, simplesmente porque não a posso perdoar. Não só em meu nome, como também em nome de todo o gênero humano. Agora sinto a forte tentação de inverter a frase e pensar: "O grande erro de alguns empregados é tratar seus patrões como se estes fossem pessoas". Mas resisto a essa tentação. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infame das piedades, porque a verdade é que formam para si uma casca de orgulho, uma embalagem repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem a mais horrível variante da solidão: a solidão daquele que nem sequer tem a si mesmo" - (p.137).

"É preciso gritar nos ouvidos das pessoas, já que sua aparente surdez é uma espécie de autodefesa, de covarde e malsã autodefesa. É preciso conseguir acordar nos outros a vergonha de si mesmos, substituir neles a autodefesa pela auto-repulsa" - (p.159).

 "Ela me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me sentisse bem acolhido. Mais do que beijá-la, mais do que nos deitarmos juntos, mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor" - (p.171).


(In. A Trégua. Rio de Janeiro: Objetiva: 2007 - Selo Alfaguara).