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segunda-feira, 6 de abril de 2015

A caixa-preta - Amos Oz (trecho)


"Durante nove anos lutei com Maquiavel, desmontei Hobbes e Locke, desfiz todas as costuras de Marx, ardendo com o desejo de provar de uma vez por todas que não são o egoísmo, nem a baixeza ou a crueldade da nossa natureza que nos transformam numa espécie que destrói a si própria. Nós aniquilamos a nós próprios (e breve exterminaremos todos os da nossa espécie) justamente devido aos nossos "anseios superiores", devido à doença religiosa. Por causa da necessidade ardente de "ser redimido". Devido à obsessão pela "redenção". O que é a obsessão pela redenção? Apenas uma máscara que esconde a ausência absoluta de talento básico para a vida. É o talento que todo gato possui. Quanto a nós, como as baleias que se atiram contra a praia num impulso coletivo, sofremos de uma avançada degeneração do talento para a vida. Daí a vontade popular de destruir e exterminar o que temos, para abrir caminho até regiões de redenção que jamais existiram e não são sequer possíveis. Sacrificar alegremente nossas vidas, exterminar em êxtase o próximo, em proveito de algo falsamente mágico que nos parece uma "Terra Prometida". Um tipo de miragem considerada "superior à vida".

(In. A caixa preta. Amos Oz. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 238-239).