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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Tudo acontece em Elizabethtown

"-Acho que dormi a maior parte da minha vida.
-Eu também".
*
"Eu me sinto bem com tudo o que você diga ou não diga".
*
"A vida não é cruel a ponto de não merecermos ficar juntos".
"Não posso imaginar um mundo sem você"
*
"Sentirei falta de seus lábios e de tudo ligado a eles".
*
"Nenhum grande fiasco começou como uma busca pela simples adequação.
Um lema do Serviço Especial da Força Aérea Britânica é: "Os que arriscam, ganham".
Um simples broto verde de videira consegue crescer através do cimento.
O salmão do noroeste do Pacífico se debate e sangra para subir em seu desafio de percorrer centenas de quilômetros contra a corrente, com um único objetivo....sexo, claro. Mas também....vida".

quarta-feira, 15 de junho de 2011

No caminho, com Maiakóvski

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu,
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amendrontado,
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - mentira!

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terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre Lou Andreas Salomé

Lou Andreas Salomé chegou a Viena para estudar psicanálise no dia 25 de outubro de 1912. Tinha 51 anos, era uma mulher marcante, esplendidamente feminina, de cabelos grossos e ondulados e olhos claros, azuis. Fotografias da época mostram-na envolta em vastas peles: parece audaciosa, orgulhosa, confiante, mas tmbém estranhamente inocente, crédula. A fama de ser uma das maiores femmes fatales da Europa Central cai sobre Lou com leveza: não há nela nada previamente ensaiado. Tampouco há qualquer coisa que possa sugerir a seriedade de uma intelectual firme e independeente ou rastros de uma formação filosófica rigorosa. Lou é simplesmente, totalmente, Lou. As fofocas contemporâneas e a história pintam-na como uma mulher de vários homens - Nietzsche, Rilke, Freud, às vezes até o próprio marido -, mas a única certeza a respeito de Lou é de que ela foi, primeiro e principalmente, fiel a si mesma.
(...) Frau Lou, prolífica, muito viajada e vastamente versada, também era conhecida pelo seu estudo As heroínas de Ibsen e pela primeira monografia sobre Friedrich Nietzsche, o filósofo "que significava uma nobreza que eu não podia atingir" para o jovem Freud, e cujo pensamento era tão rico - e, imagina-se, tão próximo ao de Freud - que ele renunciou à tentativa de ler em detalhes um pensador que "tinha um conhecimento mais penetrante sobre si mesmo do que qualquer homem que já tenha vivido".
(...) Freud viu o interesse de Lou pela psicanálise como um "bom presságio". No necrológio que lhe dedicou, declarou com firmeza: "Não estarei dizendo demais se reconhecer que todos nós sentimos como uma honra quando ela se juntou às fileiras de nossos colaboradores e companheiros de armas, e, ao mesmo tempo, como uma nova garantia da verdadedas teorias da análise".
(...) Karl Abraham é o primeiro a anunciar, em carta de 28 de abril de 1912, recomendando Lou a Freud: "Nunca conheci ninguém com um entendimento tão profundo e tão sutil da psicanálise".
(...) Lou foi, decididamente, uma pessoa "soberana" numa época em que isso não era fácil. Uma "mulher notável", como disse Freud em seu necrológio, e destituída de "todas as fraquezas femininas e talvez da maioria das fraquezas humanas". Ela era feliz por ser mulher e, no meio de todos os seus homens preeminentes, via as mulheres como o sexo superior e mais alegre. Tanto homens quanto mulheres eram atraídos por ela, admiravam-na, viam suas próprias idéias refletidas no espelho sutil e sensível que era a mente dela, amavam-na e permaneciam seus amigos. Ainda que Lou nunca tenha se entregado, tinha o dom de identificar--se com aquilo que seus amantes e amigos possuíam de mais caro e de servir de apoio quando era necessário. Neste sentido, era uma excelente psicóloga. Nietzsche dizia que ela era "astuta como uma águia e corajosa como um leão, mas, ainda sim, uma garotinha muito feminina". Anna Freud observou que "o que havia de incomum nela era, na verdade, o que deveria ser comum em um ser humano - honestidade, retidão, ausência de qualquer fraqueza, autoafirmação sem egoísmo".
Lou com Rilke
O retrato pintado por Rilke é talvez o mais evocativo:
Essa mulher possui a habilidade de penetrar nas coisas mais maravilhosas, mais esplêndidas; ela transforma, no momentocerto, tudo aquilo que os livros e as pessoas lhe trazem, na mais abençoada compreensão; ela entende, ama e se move, sem medo, entre os mistérios mais ardentes. Estes não lhe causam nada, apenas brilham para ela com a mais pura chama. Eu não conheço ninguém - e desde os longínquos anos em que ela me conheceu e trouxe um significado infinito para minha vida, nunca soube de nenhuma outra pessoa - que tenha a vida de tal forma do seu lado (...).
A vida de Lou - uma vida que tem todas as inflexões de um grande romance - começou em 12 de fevereiro de 1861 em São Petersburgo, capital da Rússia imperial, onde seu pai, um alemão báltico descendente de huguenotes, era um general que frequentava elevados círculos aristocráticos. Sua mãe, Louise, já tinha dado à luz cinco filhos, e a chegada da pequena Louise von Salomé, ou Lyolya - apenas três semanas antes da emancipação dos servos - no suntuoso apartamento da família, no edifício do Estado-Maior geral, em frente ao Palácio de Inverno, foi motivo para numerosas felicitações, inclusive uma mensagem do czar.
(...) Em todos os seus dias, Lou nunca deixou de sentir que a vida, com todos os seus horrores, era generosa e benéfica; que algum poder benigno emanado do paraíso da primeira infância velava por ela. E foi sempre grata.
É esse conjunto de intuições e atitudes que molda, mais tarde, sua compreensão da feminilidade e no narcisismo feminino como força positiva. Para Lou, o feminino, em sua essência, faz parte de uma "fusão primordial com o Todo em que repousamos".
(...) A infância em São Petersburgo incutiu em Lou o sentimento de ser especial. Ela era distinta pela riqueza, classe e nacionalidade. Em sua casa, falava-se mais alemão e francês do que russo; a religião da família era um protestantismo pietista, não a ortodoxia russa comum, que sua mãe considerava incivilizada. Ao contrário de Kafka, por exemplo, cujo sentimento de diferença resultava em um profundo senso de alienação, para Lou, ser diferente envolvia a boa sorte de ser especial e fazia com que ela valorizasse tudo o que se distinguisse pela intensidade ou pela excelência de sentir e de pensar. A noção de "lar" era tão enraizada nela, que mesmo que não fosse aqui, era em outro lugar, ao qual ela pertencia. Essa sensação de pertinência ao mundo era o que lhe permitia desprezar as convenções e embarcar no que foi uma trajetória singular para a sua época - na verdade, para qualquer época.
(...) A despeito de seus amados irmãos e pais, Lou era uma criança solitária, introvertida, para quem a fantasia e o devaneio adquiriram um caráter muito particular de realidade, que com frequência sobrepujou acontecimentos compartilhados com os outros. Ela criava histórias complexas a respeito dos transeuntes nas ruas de São Petersburgo. Quando, com o passar dos anos, esses intricados enredos ficaram longos demais para a sua memória, começou a escrever as inuciosas histórias dos habitantes de seu mundo inventado. No início, essa esfera onírica era tingida pelo "fino brilho" de sua inquestionável fé em Deus, um Deus que era sua mais antiga lembrança e que existia secretamente apenas para ela. Lou lhe contava tudo, e ele ouvia tão bem que ela supôs a existência de um diálogo, sem jamaisquestionar sua inaudibilidade ou invisibilidade. Mas um dia ela pediu uma resposta, que não veio. Deus e a sua crença sumiram ao mesmo tempo. Essa perda de fé foi tão crucial que Lou faz do episódio a experiência originária de suas memórias.
Em um frio dia de inverno, um criado da casa de campo da família disse a Lou que vira um casal parado em frente à sua casinha de brinquedo, desejando entrar. Lou ficou preocupada com eles, com medo de que passassem frio e fome. Na visita seguinte do criado a São Petersburgo, ela perguntou aonde tinha ido o casal. Ele disse que não tinham ido embora, mas simplesmente ficaram mais e mais magros, até que desapareceram, e uma manhã, quando ele estava varrendo o chão, encontrou apenas vestígios deles, botões, um chapéu e lágrimas congeladas.
Lou ficou arrasada com o que um adulto chamaria de sensação de insubstancialidade das coisas, de efemeridade da vida. Ela exigiu uma explicação de Deus, uma simples afirmação. Dizer que era um casal de bonecos de neve bastaria. Mas nada aconteceu. A descrença a invadiu. O Deus que a abrigava, que fundia pai e mãe e guardava nos bolsos todos os dons do mundo, derreteu-se. E junto com esse desaparecimento veio uma tristeza árida, um desanimador peso de responsabilidade pela sua própria imaginação.
Mais tarde, Lou afirmou que a perda da fé em idade tão tenra - antes que a dúvida racional fosse possível - fez com que ela fosse capaz de manter, para sempre, um sentimento infantil de fé sem a necessidade de ter um objeto de fé equivalente. Decerto a autosuficiência incomumente generosa que ela demonstrou ao longo de toda a vida, uma postura que expressou em suas idéias sobre o narcisismo, é uma prova de sua própria interpretação.
A história que conta sobre os primeiros contatos travados com o espelho ajuda a entender esse aspecto de sua personalidade. Ela era criança quando viu o próprio reflexo e ficou espantada ao descobrir que era apenas aquilo que estava vendo: um ser confinado a limites estreitos e impedido de existir em outros objetos. Longe do espelho, recusava essa falta de extensão. A sensação de que o físico não era uma fronteira intransponível, de que o vísivel e material não definiam os limites do eu ou da imaginação, de que não havia brechas invioláveis entre o eu e o outro persistiu por toda a sua vida. Lou tinha uma "solidariedade com o destino de tudo" que existe, grande ou pequeno. Tempos depois, identificou esse sentimento com o feminino que havia nela, uma ênfase que transcendia o ímpeto masculino à razão, que separava e dividia.

(In: As mulheres de Freud. Lisa Appignanesi & John Forrester. Rio de Janeiro: Record, 2010.p.369-374).

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fragmento I

"Quando converso sobre algo que li, é como se a idéia transfigurada em letras ganhasse um corpo em que corre sangue, e uma alma que padece o sofrer.
Humanizando o concreto com o verbo fica difícil esquecer, pois não há como ignorar o que é vivo, a menos que a mente tenha uma boa razão para tal.
O que é vivo cresce, transmuta, ganha novas configurações.
Eu existo no outro. O outro existe em mim. Existimos no desejo do que nos falta.
O desejo alimenta a busca do que não se nomeia, verdade do inconsciente - que se estrutura no entre-dois".


Dize-me: tu és mais alguma coisa - Alberto Caeiro

Dize-me: tu és mais alguma coisa
Que uma pedra ou uma planta.
Dize-me: sente, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?

Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teoria sobre as coisas:
só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei qque é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é real, sei que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escre versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
(5-6-1922 - Poemas Inconjuntos - In: Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946).