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terça-feira, 18 de abril de 2023

O tempo entretanto corria...... Dino Buzzati

 


"O tempo entretanto corria, cada vez mais precipitadamente a vida com sua batida silenciosa, não se pode parar um segundo sequer, nem mesmo para olhar para trás. "Pare, pare!", se desejaria gritar, mas vê-se que é inútil. Tudo se esvai, os homens, as estações, as nuvens; e não adianta agarrar-se às pedras, resistir no topo de algum escolho, os dedos cansados se abrem, os braços se afrouxam, inertes, acaba-se arrastado pelo rio, que parece lento, mas não para nunca.

Dia após dia Drogo sentia aumentar essa ruína, e em vão tentava estancá-la. Na vida uniforme do forte faltavam-lhe pontos de referência, e as horas lhe fugiam antes que eles conseguisse contá-las.

Havia também  a esperança secreta pela qual Drogo dissipara a melhor parte da vida. Para alimentá-la, sacrificava levianamente meses e meses, e nunca era suficiente. O inverno, o longuíssimo inverno do forte, não foi senão uma espécie de adiamento. Terminado o inverno, Drogo ainda esperava.

"Chegando a boa estação", pensava ele, "os estrangeiros retomarão os trabalhos da estrada". Mas não estava mais disponível a luneta de Simeoni, que permitia vê-los. Todavia, com a sequência dos trabalhos - sabe-se lá quanto ainda seria preciso-, os estrangeiros se aproximariam e um belo dia chegariam ao alcance das velhas lunetas consignadas a alguns corpos de guarda.

Por isso, Drogo deixara de estabelecer o prazo de sua espera na primavera, transferindo-o para alguns meses mais tarde, sempre na hipótese de que a estrada estivesse realmente sendo construída. E devia matutar todos esses pensamentos em segredo, porque Simeoni, com medo de aborrecimentos, não queria mais saber de nada disso, os demais companheiros fariam pouco dele, os superiores desaprovavam fantasias daquele tipo.

(...). Aos poucos a fé se enfraquecia. É difícil acreditar numa coisa quando se está sozinho e não se pode falar com ninguém. Justamente naquela época Drogo deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso o que causa a solidão da vida.

A fé começava a se cansar e a impaciência crescia, enquanto Drogo ouvia que as batidas do relógio se tornavam cada vez mais densas".


(In. O deserto dos tártaros. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018, p. 171-172).

sexta-feira, 7 de abril de 2023

O sexo como uma coisa natural e vital - D. H. Lawrence


"É a única coisa que não deixam ninguém ser: direto e honesto quanto ao seu sexo  Na verdade, quanto mais imundo, mais elas gostam. Mas, se acredita no seu sexo e o defende das acusações, elas vão derrubá-lo. É o único tabu insano que resta: o sexo como uma coisa natural e vital. Elas não aceitam isso e preferem matar a pessoa a deixá-la tê-lo. Veja bem, vão atormentar o homem. E o que ele fez, afinal das contas? Se fez amor com a esposa de todas as formas, não é direito seu? Ela devia se orgulhar disso (...). Você tem que se humilhar e se sentir um pecador sobre o sexo para que lhe permitam experimentá-lo. Ah, vão atormentar o pobre diabo".


(In. O amante de lady Chattterley. Rio de Janeiro: Antofágica, 2022, p. 402). 

Uma sensualidade absoluta e fervorosa - D. H. Lawrence


"Como os poetas e todos os outros eram mentirosos! Faziam as pessoas pensarem que queriam sentimentalismo quando na verdade o que se queria era uma sensualidade penetrante, arrebatadora e até um pouco intimidadora. Encontrar um homem que ousava tê-la, sem sentir vergonha ou sem pensar em pecados ou ter qualquer ressalva! Se ele tivesse sentido vergonha depois e a fizesse se sentir da mesma forma, como seria terrível! Que pena que a maioria dos homens são uns cães desprezíveis dominados pela vergonha, como Cliford! Até como Michaelis! Ambos eram sensualmente desprezíveis e vergonhosos, O prazer supremo da mente! E o que era isso, para a mulher? E o que era, na verdade, para o homem também? Ele se tornava simplesmente confuso e desprezível, até na própria mente. Era preciso uma sensualidade absoluta para purificar e acelerar a mente. Uma sensualidade absoluta e fervorosa, não uma confusão.

(In. O amante de lady Chatterley. Rio de Janeiro: Antofágica: 2022, p. 383).