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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Realidade, hipocrisia e revolta - Francisco Medeiros Quarta

Trotsky & Frida, em "Diário de Trotsky no exílio".

Sacia em mim a tua cupidez!
Por que morrer à fome, se há comida?
Penetra-me, com ânsia, tanta vez
Que eu parta, satisfeita, dessa vida!

Destrói em mim os mitos da pureza
Que eu ganho em conservar a virgindade?
Tolice é recusar-me à natureza
Fingir o que não sinto, é falsidade!

Beija-me; enlaça enfim, como quiseres,
Teu corpo ao meu; mas vem sem hesitar,
Sou apenas uma, entre as mulheres
Que vê inutilmente o tempo passar...

Não me contento só com galanteios;
Ultrapassei as horas da recusa.
Tortura, com delírio, estes meus seios;
Saiba que a timidez, já não se usa.

Se ao homem tudo é lícito e banal,
Hei de esmagar tamanha servidão!
Qualquer matéria humana é sempre igual:
Faça o que me aprouver: ou sim, ou não!

Acalma-te mulher, não te endoideças.
Não irás resolver a vida assim!
Atende o meu aviso, e não te esqueças:
Nada é eterno, tudo chega ao fim...

Não sujes o seu nome, com más famas,
Nas ilusões fictícias do prazer!
É falsa a liberdade que reclamas:
Nunca podes vencer, porque és mulher...

Todas te olhavam, como protituta:
Só terias desprezo, em vez de amor!
Julgas-te agora forte e resoluta;
Mas...não suportarias tanta dor!...

Os homens vencem sempre, minha amiga:
Pintam a manta, e nada lhes sucede!
Cai na miséria qualquer rapariga
Que cede a tudo quanto se lhe pede.

Podem vir filhos, fome, privações,
Lágrimas sem remédio do mal feito!
Perde-se tudo; surgem decepções,
A cada passo, e já não há respeito!

Não praticarás tu religião?...
Olha que essas loucuras são pecados.
Dominemo-nos pois, pondo travão
Aos nossos ímpetos desenfreados!

Oh, homem, eu detesto os moralistas!
Já passaram da moda, sabes bem.
Palavras muito lindas, dão nas vistas,
Mas não enchem a barriga, sem vintém!

Por que não me hei então de manifestar?
Dizer tudo o que eu sinto, livremente?
Dos meus desejos, não me vou privar!
Não dou satisfações a essa gente!

Cada ser vivo tem necessidades:
Comer, vestir, e partilhar carinho!
Quem procura esconder estas verdades,
Oprime, cada um, no seu caminho...

Dar conselhos inspira simpatia;
Pode até iludir os inocentes.
Quantos deles são vil hipocrisia,
Dados pelos mais pulhas delinquentes!

Há paradoxos na religião,
Que enganam muito mais do que esclarecem,
Vegeta nela cada santarrão...
Simulam servir Deus, mas enriquecem!

Se Cristo nasceu numa estrebaria,
Viverão os cristãos em humildade?!
É vê-los, cada um, no dia-a-dia,
Enganando o parceiro. Em caridade.

Tenho vivido muito revoltada!
Sou pobre, e vou gritar: Independência!
Se não puder amar e ser amada,
Altiva, enfrentarei a decadência!

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Um curta de Jean-Luc Godard

Curta-metragem de Godard exibido no Seminário: Revoluções, uma política do sensível, realizado em SP, no SESC Pinheiros, em 20/05/11.

"De certa forma, medo é a filha de Deus, redimida na noite de sexta-feira santa. Ela não é bela, é zombada, amaldiçoada e renegada por todos. Mas não entenda mal, ela cuida de toda agonia mortal, ela intercede pela humanidade.
Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, TV, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert, Dostoyevski. É composta: Gershwin, Mozart. É pintada: Cézanne, Vermeer. É filmada: Antonioni, Vigo. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Srebenica, Mostar, Sarajevo. A regra quer a morte da exceção. Então a regra para a Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce.
Quando for hora de fechar o livro, Eu não terei arrependimentos. Eu vi tantos viverem tão mal, e tantos morrerem tão bem."

sábado, 7 de maio de 2011

Oportunidade - Freud

"Nunca se deve desprezar uma oportunidade mas sempre tomar o que se pode, mesmo quando isso implica em praticar um pequeno delito. Nunca se deve desprezar uma oportunidade, já que a vida é curta, e a morte, inevitável".
(In: A Interpretação dos sonhos).

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A psicanálise & as ciências - Lacan

"A psicanálise (...) é uma disciplina que no conjunto das ciências se apresenta a nós com uma posição realmente particular. Costumam dizer que ela não é uma ciência propriamente dita, o que parece implicar por contraste que ela é simplesmente uma arte. É um erro, se por isso entendermos que ela é tão-somente uma técnica, um método operacional, um conjunto de receitas. Mas não é um erro se empregarmos essa palavra, "arte", no sentido em que era empregada na Idade Média quando se falava das artes liberais - vocês conhecem a série que vai da astronomia à dialética, passando pela aritmética, a geometria, a música e a gramática.
É-nos certamentedifícil apreender hoje, dessas artes ditas liberais, a função e o alcance na vida e no pensamento dos mestres medievais. No entanto, é certo que o que as caracteriza e distingue das ciências que delas teriam se originado é que conservam em primeiro plano o que se pode chamar uma relação fundamental com a medida do homem. Pois bem, a psicanálise talvez seja atualmente a única disciplina comparável a essas artes liberais, pelo que preserva dessa relação de medida do homem consigo mesmo - relação interna, fechada sobre si mesma, inesgotável, cíclica, que o uso da fala comporta por excelência.
(In: O mito individual do neurótico. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p.11-2).