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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A trégua - Mário Benedetti

 

"Mas tudo sempre foi por demais obrigatório para que pudesse me sentir feliz" - (p.10).

"Porque já aprendi que meus estados de pré-explosão nem sempre conduzem à explosão. às vezes terminam numa humilhação lúcida, numa aceitação irremediável das circunstâncias e de suas diversas e agravantes pressões. Gosto, no entanto, de me convencer de que não devo me permitir explosões, de que devo freá-las radicalmente, sob pena de perder meu equilíbrio. Então saio como saí hoje, numa encarniçada busca do ar livre, do horizonte, de sei lá quantas coisas mais. Bom, às vezes não chego ao horizonte e me conformo com me acomodar à janela de um café e registrar a passagem de umas pernas bonitas" - (p.11).

"Francamente, não sei se creio em Deus. às vezes, imagino que, no caso de existir Deus, esta dúvida não o desgostaria. Na realidade, os elementos que ele (ou Ele?) mesmo nos deu (raciocínio, sensibilidade, intuição) não são em absoluto suficientes para nos garantir nem sua existência nem sua não-existência. Graças a um impulso do coração, posso acreditar em Deus e acertar, ou não acreditar em Deus e também acertar. E então? Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa" - (p.34).

"A felicidade, a verdadeira felicidade, é um estado muito menos angelical e até bem menos agradável do que tudo o que a gente sempre tende a sonhar. Ela diz que, em geral, as pessoas acabam se sentindo desgraçadas só por terem acreditado que a felicidade era uma permanente sensação de indefinível bem-estar, de êxtase de gozoso, de festival perpétuo. Não, diz ela, a felicidade é bastante menos (ou talvez bastante mais, só que, de todo modo, é outra coisa), e o fato é que, na verdade, muitos desses supostos desgraçados são felizes, mas não se dão conta, não o admitem, porque acreditam estar muito longe do bem-estar máximo. É algo semelhante ao que acontece com os desiludidos da Gruta Azul. A que eles imaginaram é uma gruta de fadas, não sabiam muito bem como era, só que era uma gruta de fadas e, ao chegarem la´, constataram que todo o milagre consiste em meter as mãos na água e ver que elas ficaram levemente azuis e luminosas" - (pp. 93-94).

"Uma vez, faz muitos anos, ouvi o mais velho deles dizer: "O grande erro de alguns homens de comércio é tratar seus empregados como se estes fossem seres humanos". Nunca me esqueci dessa frasezinha, simplesmente porque não a posso perdoar. Não só em meu nome, como também em nome de todo o gênero humano. Agora sinto a forte tentação de inverter a frase e pensar: "O grande erro de alguns empregados é tratar seus patrões como se estes fossem pessoas". Mas resisto a essa tentação. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infame das piedades, porque a verdade é que formam para si uma casca de orgulho, uma embalagem repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem a mais horrível variante da solidão: a solidão daquele que nem sequer tem a si mesmo" - (p.137).

"É preciso gritar nos ouvidos das pessoas, já que sua aparente surdez é uma espécie de autodefesa, de covarde e malsã autodefesa. É preciso conseguir acordar nos outros a vergonha de si mesmos, substituir neles a autodefesa pela auto-repulsa" - (p.159).

 "Ela me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me sentisse bem acolhido. Mais do que beijá-la, mais do que nos deitarmos juntos, mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor" - (p.171).


(In. A Trégua. Rio de Janeiro: Objetiva: 2007 - Selo Alfaguara).

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carta de Heidegger para Hannah Arendt

"Querida Hannah:
Anseio por te ver novamente, num sentido a-fenomenológico. Sinto a tua falta na minha clareira ek-sistencial. A minha mulher é chata, idiota e deixa-me o ser doente. Além disso, não percebe patavina daquilo que escrevo. Porque será? Também não compreende que a verdade (no sentido platónico de aletheia) de uma re-lação reside na in-sistência que busca o des-velamento.
Oh, Hannah... Só tu provocas no meu ser-aí a ab-soluta ek-citação. Deixa-me ir à tua casa do ser. Tira-me deste vazio utilitário e devolve-me uma ek-sistência individual concreta. Vamos estudar juntos o ser-para-a-pequena-morte.
Do sempre teu (ou, pelo menos, enquanto o ser me animar o ente)..."

Martin Heidegger
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quarta-feira, 15 de junho de 2011

No caminho, com Maiakóvski

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu,
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amendrontado,
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - mentira!

Mais sobre Eduardo Alves da Costa no link:

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Saramago - Biografia

Escrita pelo português João Marques Lopes, que atualmente desenvolve doutorado na área de Literatura brasileira da Universidade de Lisboa, esta é a mais recente biografia de Saramago que vem a público após a morte do escritor, e que teve grande destaque na Bienal do Livro ocorrida este ano em São Paulo.
Apesar da narrativa abusar de termos acadêmicos, o que não compromete a compreensão e fruição do texto, ela acrescenta poucas novidades ao que já fora amplarmente divulgado pelas mídias sobre a vida do prêmio Nobel de Literatura; foi dada demasiada ênfase ao envolvimento do escritor com questões políticas  em detrimento de suas outras facetas, como criador e mesmo como homem.
Creio que quem deseja ter um maior contato com a vida e a obra de Saramago fará melhor lendo aos "Cadernos de Lanzarote",  nos quais é o próprio escritor que narra as suas aventuras e desventuras,  acrescidas da sua aguda sensibilidade perceptória,  imensurável bagagem cultural e emotividade.
Entrementes, a biografia de João é válida para quem deseja tomar um primeiro contato com Saramago, por trazer à baila um apanhado geral sobre a vida e as obras do escritor.
A seguir, destaco alguns pontos interessantes do livro.
As origens de Saramago são humildes; seus avós maternos foram camponeses analfabetos, criadores de porcos (o avô fora injeitado quando pequeno e colocado na roda da Misericórdia). Nos vinte e um anos em que viveu com os pais, Saramago mudou-se dez vezes, pois vivia em casas de aluguel, e sempre que este aumentava, a famíla tinha que se deslocar para locais mais "acessíveis". Num desses locais, o sexto andar de um prédio velho na periferia de Lisboa,  a família tinha que roubar água; neste lugar havia apenas dois livros, que lá jaziam por terem sido abandonados por outros inquilinos:  tratava-se de um guia de conversação português-francês, e da "Toutinegra do Moinho," de Émile de Richebourg; durante muito tempo estes foram os únicos livros com os quais Saramago teve contato.
As origens humildes ficará marcada num episódio curioso envolvendo o nome do escritor. O pai, batizado como José de Sousa, fora registrar o menino em cartório, revelando ao escrevente que desejava que o filho tivesse o mesmo nome . Tudo feito, deixara o cartório e só alguns anos depois, ao acessar a certidão para matricular o menino na escola, descobriu que o escrevente adicionara arbitrariamente ao José de Sousa o sobrenome Saramago. O pai ficou arrasado, pois Saramago se tratava de um nome jocoso, que aludia a uma espécie de erva ruim, dessas que crescem espontanemente, o que denunciava como a família era denegrida entre os vizinhos da aldeia onde moravam.

Ainda que a mãe de Saramago fosse analfabeta, ela fez questão que o filho estudasse, sendo que a sua formação básica se deu numa escola de excelente qualidade, o Liceu Gil Vicente; nesta escola é que o menino terá o primeiro contato com as artes e literatura, pelas quais desenvolverá intenso interesse; certa feita, quando Saramago ficou doente e acamado, ainda menino, a mãe percorreu toda a vizinhança implorando que lhe emprestassem livros, para levá-los ao filho e assim agradá-lo, de forma a apressar seu restabelecimento.
Impossibilitado de prosseguir os estudos no Liceu por conta das dificuldades econômicas, Saramago seguiu os estudos secundários na Escola Industrial de Afonso Domingues, como serralheiro mecânico; ele jamais cursou o ensino superior.
Sua vida profissional evoluiu do ofício como serralheiro mecânico para empregos administrativos; apesar das adversidades, Saramago nunca se manteve longe dos livros, frequentando a bilbioteca assiduamente; por este hábito é que adquiriu uma incomensurável bagagem cultural e o gosto por escrever. No entanto, seu primeiro livro só seria publicado quando o escritor já contava com 53 anos. 

O encontro com Pilar del Rio

José Saramago já fora casado com Ilka Reis, com quem compartilhou trinta anos de convivência e tivera sua única filha, Violante; depois mantera um relacionamento de quase dez anos com Isabel de Nóbrega; mas foi com Pilar del Rio que, segundo ele, encontrou a verdadeira felicidade.
É Pilar que em entrevista a Juan Airas revelou como se deu o encontro. A jornalista espanhola por acaso entrou numa livraria com as amigas e encontrou um livro de Saramago, "Memorial do convento"; leu-o avidamente e lhe interessou especialmente a o destaque que Saramago conferia às mulheres na narrativa, pois Pilar sempre fora uma defensora ferrenha dos direitos femininos.
Pilar retornou à livraria e comprou outro romance, desta vez "O ano da morte de Ricardo Reis", que se tratava de uma história fictícia criada em torno de um dos heterônimos de Fernando Pessoa.
Segue trecho da biografia que narra o que se deu a partir de então. Diz Pilar:
"Acabei de ler o livro e chorar compulsivamente porque estava a terminar e perguntava-me: que vou fazer o resto da minha vida se o livro está a acabar? Então decidi ir percorrer os lugares de Lisboa que aparecem no romance e pareceu-me de justiça telefonar ao escritor para lhe agradecer o livro e a emoção que me tinha oferecido - assim Pilar define o início do contato com Saramago. Entretanto, mesmoantes de conhecê-lo pessoalmente, faria um programa de televisão sobre ele, e a visita a Lisboa aconteceria em junho de 1986. Consegue marcar um encontro com Saramago, que a leva ao túmulo de Pessoa no Cemitério dos Prazeres, a outros lugares do roteiro pessoano, e leem ambos fragmentos da obra. Daí nasceriam uma amizade e uma troca de correspondência baseadas em literatura, com ela e lhe enviar resenhas da imprensa espanhola a respeito dos livros dele e Saramago a lhe recomendar leituras de escritores portugueses. A relação epistolar começaria a evoluir para algo mais profundo quando, na quinta carta que enviava, o escritor lhe pergunta se haveria algum incoveniente em uma visita sua a Servilha. Após outras visitas, a relação sedimenta-se, e Pilar se mudará para Lisboa, onde se casará com o escritor em 29 de outubro de 1988. Ela tinha 37 anos e ele, 66" (Lopes, 2010, p114-5).
Os dois viveram juntos até a morte do escritor, ocorrida em junho deste ano. Todos os livros que Saramago escreveu depois de conhecer Pilar foram dedicados a ela.
A história de amor do casal é narrada em meio ao processo de concepção do livro "A viagem do elefante" no belíssimo filme "José e Pilar", em cartaz nos cinemas de SP.
Encerro este breve ensaio com uma citação de Saramago:
"Nada me causa mais desagrado do que ouvir um político dizer que não há que causar alarme social. A sociedade tem de estar alarmada, é a sua forma de estar viva".
Vale à pena conferir os blogs oficiais do escritor, que contêm documentos, fotos e resenhas originais: