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sábado, 30 de março de 2013

Arte e Filosofia - Alain Badiou



Por "inestética" entendo uma relação da filosofia com a arte, que, colocando que a arte é, por si mesma, produtora de verdades, não pretende de maneira alguma torná-la, para a filosofia, um objeto seu. Contra a especulação estética, a inestética descreve os efeitos estritamente intrafilosóficos produzidos pela existência independente de algumas obras de arte.

Alain Badiou, abril de 1998


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Laço que desde sempre é alterado por um sintoma, o de uma oscilação, de um batimento.
Nas origens, existe o repúdio sustentado por Platão acerca do poema, do teatro, da música. De tudo isso, deve-se dizer que o fundador da filosofia, evidentemente refinado conhecedor de todas as artes de seu tempo, só dá importância, na República, à música militar e ao canto patriótico. Na outra extremidade, encontra-se uma devoção piedosa em relação à arte, um ajoelhar-se contrito do conceito, pensado como niilismo técnico, diante da palavra poética que oferece sozinha o mundo ao Aberto latente de seu próprio desamparo.
 
 
Mas o sofista Protágoras já designava, afinal, o aprendizado artístico como a chave da educação. Havia uma aliança de Protágoras e de Simônides, o poeta cuja impostura o Sócrates de Platão tenta frustrar e sujeitar a seus próprios fins a intensidade pensável. Vem-me à mente uma imagem, uma matriz analógica do sentido: filosofia e arte são historicamente acopladas tal qual são, segundo Lacan, o Mestre e a Histérica. Sabe-se que a histérica vem dizer ao mestre: "A verdade fala por minha boca, estou aqui, e tu, que sabes, diga-me quem sou." E adivinha-se que, por maior que seja a sutileza douta da resposta do mestre, a histérica lhe dará a entender que ainda não é isso, que seu aqui escapa à apreensão, que se deve retomar tudo e redobrar esforços para lhe agradar. Nesse momento, ela ruma para o mestre e torna-se sua cortesã. E, da mesma maneira, a arte já está sempre aqui, dirigindo ao pensador a questão muda e cintilante de sua identidade, enquanto, por sua constante invenção, por sua metamorfose, ela declara-se decepcionada com tudo o que o filósofo enuncia a seu respeito. O mestre da histérica praticamente não tem outra escolha, caso demonstre má vontade à servidão amorosa, à idolatria que deve pagar com uma produção de saber estafante e sempre decepcionante, a não ser lhe passar o cetro. E, da mesma maneira, o mestre filósofo permanece dividido, no que diz respeito à arte, entre idolatria e censura. Ou dirá aos jovens, seus discípulos, que o cerne de qualquer educação viril da razão é manter-se afastado da Criatura, ou acabará por conceder que só ela, esse brilho opaco do qual só podemos ser cativos, nos ensine sobre o viés por onde a verdade comanda que o saber seja produzido.
Continua.....
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(Pequeno manual de inestética. Sao Paulo: Estaçao cultural, 2002, p.11-2).

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