"Nossa sentença não parece severa. O mandamento que o condenado infringiu está inscrito em seu corpo com o rastelo. Por exemplo, para este condenado - o oficial apontou para o homem - será escrito no corpo: "Honre seus superiores!" (...). O viajante queria perguntar algo diferente mas apenas questionou, ao olhar o homem:
- Ele sabe qual é a sentença?
- Não - respondeu o oficial. E quis, de pronto, continuar suas explicações, mas o viajante o interrompeu:
- Ele não sabe qual é a própria sentença?
- Não - repetiu o oficial. Parou por um momento, como se exigisse um fundamento mais específico da pergunta do viajante, e, então, e, então, disse: - Seria inútil anunciá-la. Ele a sentirá na carne.
O viajante quis se calar, mas sentiu que o condenado voltava o olhar para ele, parecendo perguntar se ele endossava o processo descrito. Por isso, o viajante se curvou para a frente de novo, pois já havia recuado, e voltou a perguntar:
- Mas ao menos ele soube que foi condenado?
- Também não - disse o oficial. Ele sorriu para o viajante, como se esperasse dele mais alguma observação peculiar.
- Não - repetiu o viajante, passando passando a mão pela testa -, então o homem tampouco sabe como sua defesa foi feita?
- Ele não teve a oportunidade de se defender - comentou o oficial e olhou para o lado, como se falasse para si mesmo e não quisesse envergonhar o outro por ter que explicar coisas tão óbvias".
(In. Na colônia penal. Rio de Janeiro: Antofágica, 2020, pp. 35-39).
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"... sou o que sou como resultado da sua educação e da minha obediência (além dos fundamentos e da influência da vida, é claro). O fato de você ainda se atormentar com esse resultado, sim, de se recusar inconscientemente a reconhecê-lo como resultado de sua educação, é precisamente porque sua mão e meu material eram tão estranhos um ao outro".
(In. Carta ao pai. Rio de Janeiro: Antofágica, 2024, p.45).
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"Gregor não poderia ser demitido de imediato. E para Gregor parecia ser muito mais razoável que o deixassem em paz no momento em vez de perturbá-lo com choros e tentativas de persuasão. Mas era exatamente a incerteza que afligia os outros que justificava o modo como se comportavam".
(In. A metamorfose. Rio de Janeiro: Antofágica, 2019, p. 55).