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domingo, 29 de agosto de 2010

Soneto XVI - Shakespeare

Quando vejo que tudo quanto cresce
Só é perfeito por um breve instante
E que o palco dos homens se oferece
Aos desígnios dos astros mais distantes

Quando ao céu que ora aplaude
Ora castiga, homem e planta em pleno crescimento
Vêem findar-se a seiva e ainda nova glória
Que tinham cai no esquecimento

A luz de tão instável permanência
Aos meus olhos mais moças te anuncias
Embora juntos tempo e decadência
Queiram transformar-te em noite o claro dia

Então por teu amor o tempo enfrento
E o quanto ele te rouba eu te acrescento.




domingo, 22 de agosto de 2010

A Psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?

Entrevista com Jacques Alain-Miller para Hannah Waar, da Revista Psichologies Magazine em outubro de 2008.

Cléopatra & Marco Antônio

 
Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.
P.: Então, o que é amar verdadeiramente?
J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão "Quem sou eu?".
P.: Por que alguns sabem amar e outros não?
J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers - se posso dizer - homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.
Gala & Dali

P.: "Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso...
J-A Miller: Acertou! "Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem". O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua "castração", como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.

Frida Kahlo & Diego

P.: Amar seria mais difícil para os homens?
J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a "degradação da vida amorosa" no homem: a cisão do amor e do desejo sexual.

Oona & Chaplin

P.: E nas mulheres?
J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem...
Jacqueline & Picasso

P.: Por que "cada vez mais"?
J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman (1). Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.
Sylvia Plath e Ted

P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?
J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.
P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela?
J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher!
Hilda Furacão

P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras?
J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina.
P.: O senhor atribui algum papel às fantasias?
J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.
P.: E a fantasia masculina?
J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe (2), a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.
P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes!
J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos.

Lou Andreas Salomé & Nietzsche

P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade?
J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante” (3). Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles.

P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas...
J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.
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Scarlet & Rhett

(1) Zygmunt Bauman, L’amour liquide, de la fragilité des liens entre les hommes (Hachette Littératures, « Pluriel », 2008)
(2) Les souffrances du jeune Werther de Goethe (LGF, « le livre de poche », 2008).
(3) Honoré de Balzac in La comédie humaine, vol. VI, « Études de mœurs : scènes de la vie parisienne » (Gallimard, 1978).
Tradução de Maria do Carmo Dias Batista.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Onde estará o meu amor - Maria Betânia

 Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você...
Onde estará o meu amor?

Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim
Onde estará o meu amor?

Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...

Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer

Onde estará o meu amor?


domingo, 15 de agosto de 2010

Poema de Hilda Hilst & desenhos de Viviane Couto


Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.


domingo, 8 de agosto de 2010

Tu es me came - Carla Bruni

Para treinar o Francês, que comecei a estudar sábado, uma música da primeira dama mais elegante da contemporaneidade...e fotos do belo casal...(pode ser faz de conta, mas que é bonito de se ver, isso é...)

Você é meu vício

Meu produto tóxico, minha volúpia suprema
Meu encontro preferido e meu abismo
Você floresce até o mais doce da minha alma
Você é meu vício
És o meu tipo de delícia, de programa
Eu te aspiro, eu te expiro e desmaio
Eu te espero como se espera o maná
Você é meu vício
Gosto dos teus olhos, dos teus cabelos, do teu aroma
Venha então que eu te provo que te fumo
Você é o meu belo amor, o meu anagrama
Você é meu vício
Mais mortal que a heroína afegã
Mais perigoso que a cocaína colombiana
Você é a minha solução, o meu doce problema
Você é meu vício
A você todos os meus suspiros os meus poemas
Para você todas as minhas orações sob a lua
A você a minha desgraça e a minha fortuna
Você é meu vício
Quando vai embora é o inferno e as suas chamas
Toda minha vida toda minha pele te reclamam
Diria-se que você escorre nas minhas veias
Você é meu vício
Sinto-me renascida sob o seu feitiço
Eu te quero que até vendo a alma
Aos teus pés eu jogo as minhas armas
Você é meu vício.
Você é meu vício.

Loucas Horas - Guilherme Arantes

Uma musiquinha brega em homenagem a alguém que vou amar pra sempre...


Lembro de você
Do seu cabelo ao vento
(...)
Na nossa canção
Nada cansava
Já não sei viver
Nesse clima de suspense
Quando vou te ver ?
E por quantas horas?

 Te quero
O mundo
Fica perfeito contigo
Nas poucas
As loucas horas com você
(...)
Lembro de você
Quando estou longe de casa
Rôo as unhas todas
E ando de lá pra cá
De lá pra cá e nada de te achar
Fico sem dormir, quero sumir
Morro de frio



segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Medos - Marilena Chauí (trechos) II

"Tudo quanto é belo é tão difícil quanto raro" - Espinosa

Somente quando os limites impostos ao corpo forem sentidos com afetos de tristeza e sua expansão for sentida com afetos de alegria, somente quando a ignorância for experimentada como tristeza e pensar como alegria ou "virtude própria da mente", o combate entre as paixões mudará de curso e das paixões alegres passaremos às ações.
A verdade inicia-se, em nós, como desejo do verdadeiro e, porque nasce no interior dos afetos, Espinosa chamará a forma mais alta do conhecimento de amor intelectual. Reconciliação de nossa alma consigo mesma e com nosso corpo, dele consigo mesmo e com nossa alma e de ambos com a Natureza e a sociedade livre.
Esse amor, que Espinosa chama de liberdade e felicidade, fazendo-nos, seres finitos, participantes do infinito, o filósofo denomina: glória.

(In: Os sentidos da paixão, Org. Adauto Novaes, 2009, 79-82p)