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sexta-feira, 31 de maio de 2013

As vantagens de ser invisível - Stephen Chbosky (trechos favoritos).

 
"Só preciso saber que existe alguém que ouve e entende, e não tenta dormir com as pessoas, mesmo que tenha a oportunidade. Preciso saber que essas pessoas existem" - (p.12).
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"O funeral de Michael foi estranho, porque o pai dele não chorou. E três meses depois ele deixou a mãe de Michael (...). As vezes eu penso nisso. Imagino o que acontecia na casa de Michael na hora do jantar e dos programas de tv. Michael não deixou nem um bilhete, ou pelo menos seus pais não deixaram ninguém ver um. Talvez fossem "problemas em casa". Eu bem que gostaria de saber. Assim eu sentiria a falta dele com mais clareza. A dor poderia fazer sentido" (p. 14).
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" - Eu quero dizer que não é como nos filmes, em que as garotas gostam de idiotas ou coisa parecida. Não é tão fácil assim. Elas gostam de alguém que possa dar a elas um propósito" - (p. 33).
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"- Você sempre pensa muito nisso, Charlie?
- Isso é ruim? - Eu só queria que alguém me dissesse a verdade.
- Não necessariamente. É só que às vezes as pessoas usam o pensamento para não participar da vida.
- Isso é ruim?
- É" - (p.34).
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"E ela me beijou.. Foi um tipo de beijo que eu nunca poderia contar a meus amigos como foi veemente. Foi o tipo de beijo que me fez saber que eu nunca seria tão feliz em toda a minha vida" - (p.80).
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"É como quando você se olha no espelho e diz seu nome. E chega a um ponto em que nada parece real. Bom, às vezes, eu posso fazer isso. Mas não preciso de uma hora diante do espelho. Acontece muito rápido e as coisas começam a escapulir. E eu abro os meus olhos e não vejo nada. E deois começo a respirar com dificuldade, tentando ver alguma coisa, mas não consigo. Não acontece o tempo todo, mas quando ocorre fico assustado" - (p. 83).
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"Só queria que Deus, ou meus pais, ou minhas irmã, ou alguém, me dissesse o que há de errado comigo. Que me dissesse como ser diferente de uma forma que faça sentido. Que fizesse tudo isso passar. E desaparecer. Sei que é errrado, porque a responsabilidade é minha, e sei que as coisas pioram antes de melhorar porque é o que diz meu psiquiatra, mas essa fase pior está grande demais para mim" - (p.149).
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"Eu só me preocupava com o fato de que Sam estava muito magoada. E acho que percebi, naquele momento, que eu realmente a amava. Porque não havia nada a ganhar, mas isso não importava" - (p.189).
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"Acho que, se um dia eu tiver filhos e eles ficarem perturbados, não vou dizer a eles que as péssoas passam fome na China nem nada assim, porque isso não isso mudaria o fato de que eles estão transtornados. E mesmo que alguém esteja muito pior, isso não muda em nada o fato de que você tem o que você tem" - (p.221).
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(As vantagens de ser invisível. Stephen Chbosky. Rio de Janeiro: Rocco, 2007).
 



terça-feira, 28 de maio de 2013

Uma mente brilhante - John Nash

"John Forbes Nash Jr. - gênio matemático, inventor da teoria do comportamento racional, visionário da máquina pensante - estivera sentado com seu visitante, também um matemático, durante quse meia hora. Era a tardinha de um dia de trabalho da primavera de 1959, e, embora ainda fosse maio, fazia um calor desconfortável. Nash estava afundado numa poltrona num dos cantos do saguão do hospital, vestindo displicentemente uma camisa de náilon para fora das calças sem cinto. Sua compleição robusta estava frouxa como uma boneca de trapo; as feições finamente esculpidas, sem expressão. Estivera fitando com olhar opaco um ponto logo à frente do pé esquerdo do professor de Harvard George Mackey, praticamente imóvel, exceto para afastar da testa os cabelos pretos e compridos, num movimento intermitente, repetitivo. Seu visitante sentava-se ereto, oprimido pelo silêncio, bem consciente de que as portas da sala estavam trancadas. Por fim, Mackey não conseguiu mais se conter. Sua voz saiu ligeiramente impertinente, mas ele esforçou-se para ser gentil. "Como é que você pode", começou Mackey, "como é que você pode, um matemático, um homem dedicado à razão e à prova lógica...como é que você pode acreditar que extraterrrestres estão lhe enviando mensagens? Como é que que você pode acreditar que está sendo recutado por alienígenas do espaço exterior para salvar o mundo? Como é que você pode...?".
Nash, por fim, levantou os olhos e fitou Mackey sem piscar, com um olhar tão frio e desprovido de emoção como o de um pássaro ou de uma cobra. "Porque", disse Nash vagarosamente, com seu sotaque sulista arrastado, suave e moderado, como se estivesse falando para si próprio, "as idéias que eu tinha sobre seres sobrenaturais vinham a mim da mesma forma que as minhas idéias matemáticas. De modo que eu as considerei seriamente".
(In. Uma mente brilhante - Sylvia Nasar . Rio de Janeiro: Bestbolso, 2013, p.7-8).

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Bem no fundo - Paulo Leminski


"no fundo, no fundo
brm lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja qem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos para passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas".


(In. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 195).


quinta-feira, 23 de maio de 2013

O mal-estar na civilização - Sigmund Freud (trecho)


"...falta-me o ânimo de apresentar-me aos semelhantes como um profeta, e me curvo à sua recriminação de que não sou capaz de lhes oferecer consolo, pois no fundo é isso o que exigem todos, tanto os mais veementes revolucionários como os mais piedosos crentes, de forma igualmente apaixonada.
A meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos humanos de agressão e autodestruição. Precisamente quanto a isso a época de hoje merecerá talvez um interesse especial. Atualmente os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes é difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem. Eles sabem disso; daí, em boa parte, o seu atual desassossego, sua infelicidade, seu medo. Cabe agora esperar que a outra das duas "potências celestiais", o eterno Eros, empreenda um esforço para afirmar-se na luta contra o adversário igualmente imortal. Mas quem pode prever o sucesso e o desenlace?"

(O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.121-2).


domingo, 19 de maio de 2013

Pé de página


"O mundo se abriu na tarde em que, pé ante pé, subiste as escadas, me encontrando na soleira.
A vida desbotou na manhã em que, sentindo falta do habitual, refizeste tuas malas.
Curiosamente, neste mesmo dia, me advertiste que as coisas não podem se dar sempre à mesma maneira.
Paradoxos à parte, minhas lágrimas nunca tiveram o propósito de dissuadir-te.
Sei do não-lugar que ocupo em tua vida, mas ainda não aprendi a silenciar a dor que me causa a tua partida".


Com Freud... - Jacques Lacan


"É realmente impressionante que uma dimensão que se faz sentir como a de Outra-coisa em que tantas experiências que nos homens vivem, não, em absoluto, sem pensar nelas, e sim pensando, mas sem pensar que pensam e, como Telêmaco, pensando na despesa, nunca tenha sido pensada até congruentemente dita por aqueles a quem a idéia de pensamento garante pensar.
O desejo, o tédio, a reclusão, a revolta, a prece, a vigília (eu gostaria que nos detivéssemos nesta, já que Freud se refere expressamente a ela através da evocação, no meio de seu Schreber, de uma passagem do Zaratustra de Nietzsche), o pânico, enfim, estão aí para nos atestar a dimensão desse Alhures e para nos chamar a atenção para isso, não digo como simples estados d´alma que o pensa-sem-rir pode colocarem seu lugar, porém, muito mais consideravelmente, como princípios permanentes das organizações coletivas, fora das quais a vida humana não parece poder manter-se por muito tempo.
Sem dúvida, não é impossível que o mais pensável pensamento em-pensar, ele mesmo pensando ser essa Outra-coisa, possa ter sempre tolerado mal essa eventual concorrência.
Mas essa aversão torna-se perfeitamente clara, uma vez feita a junção conceitual, na qual ninguém pensara até então, desse Alhures com o lugar, presente para todos e vedado para caa um, em que Freud descobriu que, sem que se pense nisso, e portanto, sem que qualquer um possa pensar estar pensando melhor que outro, isso pensa. Isso pensa um bocado mal, mas pensa com firmeza, pois foi nestes termos que ele nos anunciou o inconsciente: pensamentos que, se as suas leis não são de modo algum as mesmas de nossos pensamentos de todos os dias, nobres ou vulgares, são perfeitamente articulados.
Mais um meio, portanto, de reduzir esse Alhures à forma imaginária de uma nostalgia, de um Paraíso perdido ou futuro; o que encontramos aí é o paraíso dos amores infantis, onde, Baudelaire de Deus!, ele se abstém de coisas escandalosas.
Aliás, se nos restasse alguma dúvida, Freud denominou o lugar do inconsciente por um termo que o impressionara em Fechner (que em seu experimentalismo, não era em absoluto o realista que nos sugerem nossos manuais): ein anderer Schauplatz, uma outra cena; e o retomou vinte vezes em suas obras inaugurais".

(De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 534-5). 


quarta-feira, 1 de maio de 2013

"Eis uma história apaixonante.." - Françoise Dolto

 
"Eis uma história apaixonante acontecida com uma psicanalista já falecida. Ela ilustra de maneira exemplar como uma criancinha compreende e grava as palavras sonoras de uma língua desconhecida; como essas mesmas palavras reaparecem - anos mais tarde - no corpo dessa criança ao tornar-se adulta; e como, enfim, o psicanalista desse mesmo adulto pode, por sua vez, recolher essas palavras deixando-as inscreverem-se nele, em sua própria imagem de corpo de analista. Em primeiro lugar, devo esclarecer que pouco antes de sua morte, a psicanalista Muriel Cahen me pediu que expusesse publicamente a experiência que vou lhes contar; experiência fulgurante que atravessamos juntas, ela como analisanda, eu como sua psicanalista. Sabendo-se gravemente acometida pela doença de Hodgkin e submetida a um terrível tratamento químico à base de cortisona, ela veio me consultar depois que seu antigo analista preferiu não retomar seu tratamento. Recebi-a então durante seis meses; os últimos seis meses de sua vida. Apesar da consciência aguda de sua doença, ela ignorava o prognóstico irremediavelmente fatal que a condenava. Durante essa época extremamente dolorosa, sua atividade como psicanalista prosseguira sem descanso, com uma força e coragem admiráveis.
Um dia, durante uma sessão, ela apresentou um sonho em que as palavras bizarramente pronunciadas destacavam-se nitidamente do contexto geral do sonho. Mais que palavras, tratava-se de uma série de sons incompreensíveis. Lembro-me muito bem da exclamação que se seguiu ao relato de seu sonho: "Eu ignorava que era possível sentir a felicidade que senti nesse sonho e com uma sonoridade tão curiosa". Tenho o hábito de escrever tudo o que acontece e se diz em uma sessão de análise.  É cômodo para mim, pois, se minha mão escreve, eu, por minha vez, fico completamente livre para pensar. Minha mão escreve, e eu penso. Então, naquele dia, registrei as palavras de sonoridade estranha. Antes do fim da sessão, lembrei-me de que Muriel, nascida em Londres, vivera os primeiros nove meses de sua vida na ìndia. Seu pai, funcionário inglês em missão nesse país, contratara uma moça hindu para cuidar do bebê. Pouco a pouco estabeleceu-se um tal laço afetivo entre a babá e a criança que o pai cogitava levar a jovem com eles para a Inglaterra. Esse plano verificou-se impossível, e a pequena Muriel teve de abandonar definitivamente sua primeira babá. Aparentemente, esse separação não marcara a criança.
A lembrança desses primeiros meses da vida de Muriel Cahen associou-se às palavras do sonho que eu registrava no papel. Quando a sessão terminou, e no momento da despedida, eu olhe disse, entregando-lhe o papel no qual transcrevera aqueles fonemas estranhos: "Eis a frase tal como a escutei e anotei. Seria mesmo curioso se os sons, ouvidos no sonho, fossem palavras derivadas da língua do país onde você viveu os primeiros meses". Essa idéia agradou-a tanto que ela foi consultar um residente hindu da cidade universitária que acabou apresentando-a a um compatriota que falava o dialeto da região onde o pai de Muriel exercera sua missão. Ao ler as palavras inscritas no papel, o estudante hindu começou a rir, explicando a Muriel que aquelas palavras correspondiam exatamente a uma expressão popular empregada pelas babás para ninar os bebês: "Os olhos da minha menininha são os mais belos que as estrelas". Alguns dias mais tarde, a doença de Muriel agravou-se com o surgimento de uma paraplegia indolor. Suas pernas não a carregavam mais, estavam tão imaturas quanto as de um bebê de colo (...). No sonho de Muriel, as palavras de sonoridade bizarra bão representavam justamente a articulação que liga a imagem do corpo do bebê - inacabada no nível do esquema corporal da bacia e das pernas - à imagem suporte da jovem hindu, verdadeira mãe portadora da criança antes que esta soubesse andar? Ora, a alegria indizível experimentada no sonho não passava do retorno da ternura fusional entre uma mãe portadora que fala e um bebê imaturo que sabe escutar" -
(In. A criança do espelho. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p.56-9).
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No filme "O dia em que não nasci", a atleta alemã Maria, de passagem pelo aeroporto da Argentina, ouve uma mulher entonar uma canção de ninar em espanhol, e sem que compreenda, aquilo a abala profundamente; movida pelo que Freud chamaria de Unheimlich, Maria fica em Buenos Aires e empreende uma busca aparentemente sem sentido que acaba por revelar a sua verdadeira origem - Maria era filha de pais argentinos que haviam sido vítimas da ditadura de Pinochet, e fora adotada por alemães.
Trailer do filme "O dia em que não nasci":
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