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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Antes que anoiteça - Reinaldo Arenas

 
Antes que, tal como naquele período negro da História, o divergente tenha suas palavras sufocadas por uma estratégia silenciadora do particular, estratégia desejante que haja uma massa sem qualquer saliência que seja mais fácil de afagar ou lançar pra longe. Antes que uma estratégia dolorosamente totalizante se aproprie do mais estranho em nós mesmos, daquilo que carrega o germen da subversão. Antes que esta estratégia violentamente persecutória, movida por ideais quaisquer, sejam eles religiosos, políticos ou sociais, suplante o "ir e vir" ou a conquista da eletricidade, obrigando o sujeito a se embrenhar nas matas selvagens, donde só pode contar com a condescendência da luz solar para escrever o que lhe resta, seja razão ou loucura, antes que o negro torne a visão inoperante.
"Antes que anoiteça", leia a autobiografia de Reinaldo Arenas, que não bastando se sentir exilado de si mesmo, teve que se exilar de sua ilha natal por conta de uma sexualidade chamada de estrangeira pelo outro.
Se você não é socialista....leia. Se é, leia mais ainda. E antes de aceitar a advertência de qualquer um que lhe diga: "Não leia este traidor!" reflita se não é uma traição não estar sensível a angústia de um sujeito por conta da sua escuta estar atravessada por ideologias, traição que não é maior para com o outro do que é para você. Não perca de vista aquele famoso trecho que virou adágio da carta de Rimbaud.
 
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Trechos de "Antes que anoiteça", de Reinaldo Arenas:
 
"Acredito que o esplendor da minha infância tenha sido único, pois se desenvolveu na mais absoluta miséria, mas também na mais absoluta liberdade; em campo aberto, cercado de árvores, bichos, aparições e pessoas que eram indiferentes em relação a mim. Minha existência não era sequer justificada, e ninguém se importava. Isso facilitava enormemente minhas fugas, sem que ninguém se preocupasse com o local do meu esconderijo ou com a hora da minha volta" (p.22).
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"Acho que a época mais fértil da minha criação foi a infância; foi um mundo de criatividade. Para preencher aquela solidão tão profunda que eu experimentava em meio a tanto ruído, povoei todo o campo, aliás bastante raquítico, com personagens e aparições quase míticas e sobrenaturais. Uma das personagens que eu via com enorme clareza todas as noites era um velho que rolava um aro, debaixo a imensa mata que crescia em frente à casa. Quem era aquele velho? Por que ficava rolando aquele aro que parecia uma roda de bicicleta? Era o horror que me aguardava? O horror que aguardava toda a vida humana? Era a morte? A morte sempre esteve muito próxima de mim; tem sido uma companheira tão fiel que às vezes lamento ter que morrer, pois então talvez a morte me abandone" (pp.23-4).
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"Sempre achei que minha família, incluindo minha mãe, considerava-me um ser estranho, meio doido ou louco; completamente fora do contexto de suas vidas. Com certeza, tinham toda razão" (p.36).
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"O mar é nossa selva e nossa esperança" (p.341).
 
(In. Antes que anoiteça. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2009).
 
Trecho do filme "Antes que anoiteça", estrelado por Javier Bardem, baseado na obra do escritor cubano:
 
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