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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Crime & Castigo (Dostoiévski) - trechos favoritos

"É isso: tudo está ao alcance do homem e tudo lhe escapa, em virtude de sua covardia...Já virou até axioma. Coisa curiosa a observar-se: que é que os homens temem, acima de tudo? - O que for capaz de mudar-lhes os hábitos: eis o que mais apavora..." - ( v.I, p. 12).
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"...entregava-se àquele alheamento profundo, uma espécie de torpor, continuando o caminho sem dar a mínima importância às coisas circunstantes, sem querer reparar no que o cercava. De quando em vez, entretanto, resmungava palavras indistintas, em virtude do hábito de monologar, de que, ainda havia pouco, se confessava atacado. Percebia que, às vezes, as idéias se lhe embaralhavam no cérebro e adquiria consciência de sua extrema fraqueza" - (Raskólnikov,v.I, p.13).
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"Por que me lastimar?", disseste. Sim, o caso não é para lastimar, é preciso crucificar-me, pregar-me numa cruz e não me lastimar. Crucifique-me, pois, juiz, faça-o e, crucificando-me, tenha dó do crucificado. Então eu mesmo superarei o próprio suplício porque não é de alegria que tenho sede, mas de dor e de lágrimas" - (Marmeládov, v.I, p.37).
"Humanidade crápula, que se adapta a tudo" - (Raskólnikov).
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"Era assim que se torturava, propondo a si mesmo todas essas (...) antigas questões já familiares a seu espírito e que o fizeram sofrer de tal modo que seu coração estava todo ferido, marcado por elas. Havia muito tempo que nascera essa agonia que o atormentava: crescera no seu coração, acumulara-se, desenvolvia e, nestes últimos tempos, parecia ter se difundido dob a forma de uma espantosa, fantástica e selvagem interrogação que o torturava sem cessar, exigindo-lhe, imperiosamente, uma resposta" - (Raskólnikov, v.I, p.68).
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"Afastando-se de todos, vivia como uma tartaruga escondida em seu casco. Mesmo a presença da criada, encarregada de fazer a limpeza do quarto, que algumas vezes aparecia, o irritava e o punha furioso. É o que se dá com certos maníacos, absorvidos por uma idéia fixa" - (v.I,44-5). 
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"Os sonhos de um homem doente tomam, sempre, um relevo extraordinário a ponto de a própria realidade confundir-se com eles. O quadro que, assim, se desenrola é por vezes monstruoso, mas o fundo, no qual se desenvolve, e todos os meandros da representação são, por sua vez, de tal modo verossímeis, cheios de minúcias tão imprevistas, tão engenhosas e tão adequadas, que o próprio indivíduo que os son...ha seria, certamente, incapaz de inventá-los acordado, fosse ele um artista da estatura de Púchkin ou Turguéniev. Estes sonhos - referimo-nos aos sonhos mórbidos - não são facilmente esquecíveis; produzem uma viva impressão sobre o organismo cansado, presa da excitação nervosa" - (v.I, p. 80).
"Não sabia aonde ir e até não se preocupava com isso. Não pensava senão numa coisa: que era preciso acabar com tudo isso, hoje, de uma vez, agora mesmo, de modo contrário não voltaria para casa, de modo algum, porque não queria continuar a viver assim. Mas como fazê-lo? (....). Esforçava-se para não pensar no assunto. Quanto mais recalcava esse pensamento, mais ele o torturava. não tinha mais do que um sentimento, não pensava senão em uma coisa: que era preciso que tudo mudasse, de uma maneira ou de outra, "custe o que custar", repetia com uma certeza desesperada e uma firmeza indomável" - (v.I, p.212-3).
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"-Como estás diferente, Sônia! Enlaças-me e vens abraçar-me depois que te confessei aquilo. Não tens consciência do que fazes.
(...) Um sentimento havia muito esquecido veio quebrantar a alma do moço. Ele não resistiu; duas lágrimas saltaram-lhe dos olhos, ficando-lhe suspensas nas pestanas.
-Então, não me abandonarás, Sônia? - disse com uma espécie de esperança.
-Não, nunca, em parte alguma! - prometeu ela. - Acompanhar-te-ei sempre (....). E por que, por que não te conheci mais cedo? Por que não vieste antes? (...)
- Bem vês que vim.
-Agora! Oh, que fazer agora? Juntos, juntos - repetiu com exaltação, enlaçando-o mais. Acompanhar-te-ei às galés". (diálogo entre Sônia e Raskolnikov,v.II, p.180-1).
"-...Agora choras e me abraças, mas dize... por quê? Porque não tive coragem de carregar meu fardo e vim descarregá-lo sobre outrem, dizendo-lhe: "Sofre também, ficarei aliviado". Entretanto, como podes amar um covarde assim?
-E tu também não sofres? - redarguiu ela.
O mesmo sentimento encheu de novo o coração do moço, enternecendo-o.
-Sônia, tenho mau coração: toma cuidado; isso explica muita coisa...
-Não, não, tu fizeste bem em vir! - exclamou Sônia (....).
Estavam ali, tristes e abatidos como dois náufragos atirados pela tormenta numa praia deserta. Ele olhava para Sônia e sentia o quanto ela o amava. Mas, coisa estranha, aquela imensa ternura de que ele se via objeto causava-lhe uma impressão aflitiva e dolorosa." - ( diálogo entre Sônia e Raskolnikov,v. II, pg.182-191).
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"...nunca responda pelo que se passa entre marido e mulher ou entre dois amantes. Há sempre ali um cantinho que fica escondido de todos e só é conhecido dos interessados " - (v.II,p. 264).
"Súbito, Sônia estava ao seu lado. Aproximou-se sem ruído, sentou-se perto dele (...). Ela sorria ao prisioneiro com ar amável e feliz, todavia, conforme seu hábito, estendeu-lhe timidamente a mão.
Fazia sempre esse gesto com timidez. às vezes abstinha-se dele ...com receio de ver repelida a mão, que ele parecia sempre aceitar com repugnância. Por vezes parecia mesmo aborrecido de vê-la e não abria a boca durante todo o tempo da visita. Em certos dias, ela tremia diante dele e deixava-o profundamente aflita. Agora, porém, as suas mãos podiam soltar-se (...) De repente, sem que o prisioneiro soubesse por que, uma força invisível lançou-o aos pés da moça. Pôs-se a chorar, abraçando-lhe os joelhos (...). Uma infinita felicidade irradiou-lhe dos olhos. Compreendia que ele a amava, sim, não podia duvidar. Amava-a infinitamente! O esperado minuto chegara afinal. Queriam falar, contudo nenhuma palavra puderam proferir (...). Ambos estavam magros e pálidos, mas, nas pobres faces transtornadas, cintilava a aurora de uma vida nova, de uma ressureição. Era o amor que os ressuscitava. O coração de um continha a fonte de vida inesgotável do outro....."
(Crime & Castigo. São Paulo.Abril Cultural,2010, v.II, p. 353-4).
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Documentário sobre o livro:

Biografia de Dostoiévski: