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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Primeiras Estórias - Guimarães Rosa (fragmentos)

"Ela se desescondia dele. Inesperavam-se? (...). Suas duas almas se transformaram? E tudo à razão do ser (...) Amavam-se".
*
"A vida é constante, progressivo desconhecimento".
"E, se, para quê? Se ninguém entende ninguém; e ninguém entenderá nada, jamais; esta é a prática verdade".
*
"Sem saber o amor, a gente não pode ler romances grandes".
"Acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só o um-e-outra, um em si juntos, o viver em ponto sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamor. Alvor. Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse no dia de todos os pássaros".
"O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo".
*
"A gente devia poder parar de estar tão acordado, quando precisasse, e adormecer seguro".
"E vindo o outro dia, no-não-estar-mais-dormindo e não-estar-ainda-acordado..."
*
"A gente nunca podia apreciar direito, mesmo as coisas bonitas ou boas, que aconteciam. Ás vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado grosseiro. Ou porque as outras coisas, as ruins, prosseguiam também, de um lado e de outro, não deixando limpo lugar. Ou porque faltavam ainda outras coisas, acontecidas em diferentes ocasiões, mas que careciam de formar junto com aquelas, para o completo".

(Imagens do filme Caminhando nas Nuvens)

Primeiras Estórias p/ download: http://www.mediafire.com/?nttjy1gy3m3

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A arte segundo Nietzsche:

"A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida, portanto, fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros: com essa tarefa em vista, ela nos modera e nos refreia, cria formas de trato, vincula os não educados a leis de conveniência, delimpeza, de cortesia, de falar e calar a tempo-certo. Em seguida, a arte deve esconder ou reintepretar tudo o que é feio, aquele lado penoso, apavorante, repugnante que, a despeito de todo esforço, irrompe sempre de novo, de acordo com a condição da natureza humana: deve proceder desse modo especialmente em vista das paixões e das dores e angústias da alma e, no inevitável ou insuperavelmente feio, fazer transparecer o significativo".
(citado por Rosa Maria Dias em: Arte e vida no pensamento de Nietzsche.  In: Nietzsche e Deleuze: intensidade e paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000)

Um pouco de Brecht

" - A verdade pode ser mortal e a mentira eterna?
- Tudo me leva a crer".
*
"Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam: - Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre o sangue,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza...
Não digam nunca: - Isso é natural!
A fim de que nada passe por ser imutável"

Manifesto do partido comunista - Marx & Engels (fragmentos)

"O que o operário obtém com o seu trabalho é o estritamente necessário para a mera conservação e reprodução de sua vida".
*
"Acusai-vos de querer abolir a exploração das crianças por seus próprios pais? Somos culpados desse crime".
*
"A burguesia pretende induzir o proletariado a manter-se na sociedade atual, desembaraçando-se, porém, do ódio que ele dedica a essa sociedade".
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"A dissolução das velhas idéias marcha ao lado da dissolução das antigas condições de vida".
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"Será preciso grande perspicácia para compreender que as idéias, as nações e as concepções, numa palavra, a consciência do homem se modifica com cada mudança em suas condições de vida, em suas relações sociais, em sua existência social?"
Marx & Engels

Admirável mundo novo - Aldous Huxley (fragmentos)

"O remorso crônico, e nisso estão de acordo todos os moralistas, é um sentimento muito indesejável. Se você se comportou mal, arrependa-se, faça as correções que puder e dedique-se à tarefa de portar-se melhor da próxima vez. De modo algum acalente sua má ação. Rolar na sujeira não é o melhor meio de se limpar".
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"Os maiores triunfos da propaganda não se deveram à ação, mas sim, à omissão de algum ato. A verdade é grande, mas maior ainda, do ponto de vista prático, é o silêncio sobre a verdade. Os propagandistas totalitários influenciaram a opinião com muito maior efeito do que teriam conseguido pelas denúncias mais eloquentes, pela discussão lógica e irrefutável".
*
"O problema dos manipuladores não é mais chamado "o problema da felicidade", e sim, "o problema de fazer o povo amar a servidão"".
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"Com a restrição da liberdade política e econômica, em compensação, tende a crescer a liberdade sexual"
Aldous Huxley

Boletim do Fórum do Campo Lacaniano - SP

Em anexo, agenda de atividades do Fórum do Campo Lacaniano - SP para 2011.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Uma história dos perversos- Elisabeth Roudinesco

"Confundida com a perversidade, a perversão era vista antigamente - em especial da Idade Média até o fim da Idade Clássica - como uma formar particular de abalar a ordem natural do mundo e converter os homens ao vício, tanto para desvirtuá-los e corrompê-los como para lhes evitar toda forma de confronto com a soberania do bem e da verdade.
O ato de perverter supunha então a existência de uma autoridade divina. E aquele que se atribuía como missão arrastar a humanidade inteira para a  autodestruição não tinha outro destino senão espreitar, no rosto da Lei por ele transgredida, o reflexo do desafio singular que ele lançara a Deus. Demoníaco, amaldiçoado, criminoso, devasso, torturador, lascivo, fraudador, charlatão, delituoso, o pervertedor era em primeiro lugar uma criatura dúbia, atormentada pela figura do Diabo, mas ao mesmo tempo habitada por um ideal de bem que ele não cessava de destruir a fim de oferecer a Deus, seu senhor e seu carrasco, o espetáculo de seu próprio corpo reduzido a um dejeto.
Embora vivamos num mundo em que a ciência ocupou o lugar de autoridade divina, o corpo o da alma, e o desvio o do mal, a perversão é sempre, queiramos ou não, sinônimo de perversidade. E,sejam quais forem seus aspectos, ela aponta sempre, como antigamente mas por meio de novas metamorfoses, para uma espécie de negativo da liberdade: aniquilamento, desumanização, ódio, destruição, domínio, crueldade, gozo.
Mas a perversão é também criatividade, superação de si, grandeza. Nesse sentido, pode ser entendida como o acesso à mais elevada das liberdades, uma vez que autorizaaquele que a encarna a ser simultaneamente carrasco e vítima, senhor e escravo, bárbaro e civilizado. O fascínio exercido sobre nós pela perversão deve-se precisamente que ela pode ser ora sublime, ora abjeta. Sublime, ao se manifestar nos rebeldes decaráter prometéico, que se negam a se submeter à lei dos homens, ao preço de sua própria exclusão; abjeta, ao se tornar, como no exercício das ditaduras mais ferozes, a expressão soberana de uma fria destruição de todo laço genealógico.
Seja gozo do mal ou paixão pelo soberano bem, a perversão é uma circunstância da espécie humana: o mundo animal está excluído dela, assim como do crime. Não somente é uma circunstância humana, presente em todas as culturas, como supõe a preexistência da fala, da linguagem, da arte, até mesmo de um discurso sobre a arte e sobre o sexo: "Imaginemos uma sociedade sem linguagem", escreve Roland Barthes, "eis que um homem nela copula com uma mulher, a tergo, misturando à sua ação um pouco de pasta de trigo. Nesse nível, não há nenhuma perversão".
A perversão não existe, em outras palavras, senão como uma extirpação do ser da ordem da natureza. E com isso, através da fala do sujeito, só faz imitar o reino natural de que foi extirpada a fim de melhor parodiá-lo. Eis efetivamente por que o discurso do perverso repousa sempre num maniqueísmo que parece excluir a parte de sombra à qual não obstante deve sua existência. Absoluto do bem ou loucura do mal, vício ou virtude, danação ou salvação: este é o universo fechado no qual o perverso circula deleitosamente, fascinado pela idéia de poder libertar-se do tempo e da morte.
Se nenhuma perversão é pensável sem a instauração de interditos fundamentais - religiosos ou profanos - que governem as sociedades, nenhuma prática sexual humana é possível sem o suporte de uma retórica. E é efetivamente porque a perversão é desejável, como o crime, o incesto e o excesso, que foi preciso designá-la não apenas como uma transgressão ou anomalia, mas também como um discurso noturno em que sempre se enunciaria, no ódio de si e na fascinação pela morte, a grande maldição do gozo ilimitado. Por esta razão - e é Freud o primeiro a avaliar seu lcance teórico -, ela está presente, decerto em diversos graus, em todas as formas de sexualidade humana.
 A perversão, portanto, é um fenômeno sexual, político, psíquico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades humanas. E se todas as culturas partilham atitudes coerentes - proibição do incesto, delimitação da loucura, designação do monstruoso ou do anormal -, a perversão naturalmente tem seu lugar nessa combinatória. Porém, pelo seu status psíquico, que remete à essência de uma clivagem, ela é igualmente uma necessidade social. Ao mesmo tempo em que preserva a norma, assegura à espécie humana a subsistência de seus prazeres e transgressões. Que faríamos sem Sade, Mishima, Jean Genet, Pasolini, Hitchcock e muitos outros, que nos deram as obras mais refinadas possíveis? Que faríamos se não pudéssemos apontar como bodes expiatórios - isto é, perversos - aqueles que aceitam traduzir em estranhas atitudes as tendências inconfessáveis que nos habitam e que recalcamos?
Sejam sublimes que se voltam para a arte, a criação ou a mística, sejam abjetos quando se entregam às suas pulsões assassinas, os perversos são uma parte de nós mesmos, uma parte de nossa humanidade, pois exibem o que não cessamos de dissimular: nossa própria negatividade, a parte obscura de nós mesmos.

(In: A parte obscura de nós mesmos - uma história dos perversos. Elisabeth Roudinesco. Rio de Janeiro, Zahar, 2008. p.10-13).

Vejam a entrevista de Elisabeth Roudinesco no programa Saia Justa, da GNT, sobre o livro:

Entrevista de Elisabeth Roudinesco na Tv UOL:

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

XI Encontro Nacional da AFCL - Anais

Os Anais do encontro estão disponíveis para download no link:

Excelentes textos de Vera Pollo, Jairo Gerbase, Ana  Prates, dentre outros tantos, e o artigo que escrevi com meu orientador, Daniel Migliani Vitorello: "Da ilusão de completude ao encontro simbólico: a peregrinação amorosa do sujeito desejante em "Uma Aprendizagem ou o livro dos prazeres", de Clarice Lispector".
Não há palavras suficientes para descrever este romance de Clarice; só lendo...
Download disponível no link:


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Poema patético - Emílio Moura

Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto fechado,
Ouço-te agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamento recuo até as origens da minha angústia.
Policiada e vencida, oh! Afinal vencida por tantos séculos de resignação e humildade.
Em que hora remota, em que época já tão distanciada, foi que os ares
Vibraram pela última vez, diante de teu último grito de rebeldia?
Quantas vezes, oh meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes fogueiras no meio da noite.
E esperar, cantando, pela madrugada?
Mas, e hoje? Hoje a tua voz ressoa dentro de mim, como um cântigo de órgão.
Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma caverna,
Como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto fechado.

Dedução - Vladimir Mayakovsky

Não acabarão com o amor,
Nem as rusgas,
Nem a distância.
Está provado,
Pensado,
Verificado.
Aqui levanto solene
Minha estrofe de mil dedos
E faço o juramento:
Amo firme,
Fiel,
E verdadeiramente.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O livro de cabeceira - filme

"Escrever é uma ocupação muito comum. Todavia é uma ocupação muito preciosa. Se a escrita não existisse de que depressão terrível nos sofreríamos".
*
"Trate-me como a página de um livro".
*
"Tenho certeza de que há duas coisas na vida que são dignas de confiança. Os prazeres da carne e os prazeres da literatura. Eu tive a grande sorte de desfrutar dessas duas coisas da mesma forma"
*
"A única verdadeira posse de um ser humano é o amor que ele possui (...) a única coisa que levamos da vida é o que nós sentimos"

O amor - Vladimir Mayakovsky

Filme Les Amants
Um dia, quem sabe,
ela que também gostava de bichos,
apareça numa alameda de zoo,
sorridente,
tal como agora está no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela, que por certo, hão de ressucitá-la,
Vosso Trigésimo século ultrapassará o exame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então, de todo amor não terminado,
seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas.
Ressucita-me,
nem que seja porque te esperava,
como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressucita-me,
nem que seja só por isso!
Ressucita-me!
Quero viver até o fim que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,
 concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a Terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o universo,
a mãe,
pelo menos a terra. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Deus está morto, mas Ele não sabe - Slavoj Zizek

"Pois a verdadeira fórmula do ateísmo não é que Deus está morto - mesmo fundando a origem da função do pai em seu assassínio, Freud protege o pai - a verdadeira fórmula do ateísmo é que Deus é inconsciente" - Lacan
O ateu moderno pensa saber que Deus está morto; o que ele não sabe é que, inconscientemente, continua a acreditar em Deus. O que caracteriza a modernidade nãoé mais a figura típica do crente que abriga dúvidas sobre sua crença e se entrega a fantasias transgressivas; hoje temos, ao contrário, um sujeito que se apresenta como um hedonista tolerante dedicado à busca da felicidade, e cujo inconsciente é o local de proibições: o que é recalcado não são desejos ou prazeres ilícitos, mas as próprias proibições.
Um dos tópicos característicos da crítica cultural conservadora é que, em nossa era permissiva, faltam às crianças limites firmes ou proibições. Essa falta as frusta, impelindo-as de um excesso para outro. Somente um limite firme fixado por alguma autoridade simbólica pode garantir estabilidade e satisfação - satisfação produzida através da violação da proibição, da transgressão do limite (...).
Tradicionalmente, esperava-se que a psicanálise permitisse ao paciente superar os obstáculos que o privavam de seu acesso à satisfação sexual normal: se você não consegue isso, vá ao analista que lhe permitirá ficar livre de suas inibições. Hoje, no entanto, somos bombardeados de todos os lados por diferntes versões da injunção "Goze!", desde o gozo direto no desempenho sexual ao gozo na realização profissional ou no despertar espiritual. O gozo funciona hoje efetivamente como um estranho dever ético: indivíduos sentem-se culpados não por violar inibições morais entregando-se a prazeres ilícitos, mas por não serem capazes de gozar. Nessa situação, a psicanálise é o único discurso em que você tem permissão para não gozar - você não é proibido de gozar, apenas é libertado da pressão para fazê-lo.

(In: Como ler Lacan. Slavoj Sizek. Rio de Janeiro: Zahar, p.113-128)

Ao coração que sofre - Castro Alves

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a Terra pelo céu trocar

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza
Ficar na Terra e humanamente amar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Eu gosto do seu corpo - E.E Cummings


Eu gosto do seu corpo
Eu gosto do que ele faz
Eu gosto de como ele faz
Eu gosto de sentir as formas do seu corpo
Dos seus ossos
E de sentir o tremor firme e doce
De quando lhe beijo
E volto a beijar
E volto a beijar
E volto a beijar.

Chamar a si todo o céu com um sorriso - E.E Cummings

Que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
Aves que são os segredos da vida
O que quer que cantem é melhor do que conhecer
E se os homens não as ouvem estão velhos

Que o meu pensamento caminhe pelo faminto
E destemido e sedento e servil
E mesmo que seja domingo que eu me engane
Pois sempre que os homens têm razão não são jovens

E que eu não faça nada de útil
E te ame muito mais do que verdadeiramente
Nunca houve alguém tão louco que não conseguisse
Chamar a si todo o céu com um sorriso

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Vive, Dizes - Alberto Caeiro

Vive, dizes, só no presente:
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente,quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas como cousas.
Não quero separá-las de si próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar,
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, sem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O que é a angústia? Clarice Lispector

O que é a angústia? Na verdade minha tendência a indagar e a significar já é em si uma angústia. Esta começa com a vida. Cortam o cordão umbilical: dor e separação. E enfim choro de viver.
O grito - Munch
Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida, pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra de que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria - o que é também uma forma de angústia.
Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não e confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem suficiente de ter angústia - e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.

(In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984- p.626-693)