Lacan. il `libertatore’
della psicanalisi" ["Lacan, o `libertador da psicanálise";
entrevista com J.Nobécourt; trad. A. Ghizzardi), Correre della sera
vol. 106. n°212, 11 de setembro de 1981, p. 1.
-
Tem-se o hábito de dizer que Lacan foi o protagonista de uma
"revolução da psicanálise". O senhor acha que esta definição
de "revolucionário" é exata e aceitável?
-Acho
que Lacan teria recusado este termo de "revolucionário" e a própria
idéia de uma "revolução em psicanálise". Ele queria apenas
ser "psicanalista". Isso supunha, aos seus olhos, uma ruptura
violenta com tudo o que tendia a fazer depender a psicanálise da
psiquiatria, ou a fazer dela um capítulo sofisticado da psicologia. Ele
queria subtrair a psicanálise da proximidade da medicina e das instituições
médicas, que considerava perigosa. Ele buscava na psicanálise não um
processo de normalização dos comportamentos, mas uma teoria do sujeito.
Por isso é que, apesar de uma aparéncia de discurso extremamente
especulativo, seu pensamento não é estranho a todos os esforços que
foram feitos para recolocar em questão as práticas da medicina mental.
- Se Lacan, como o senhor disse, não foi um "revolucionário",
é certo, contudo, que suas obras tiveram uma grande influência sobre a
cultura dos últimos decênios. O que mudou depois de Lacan, também, no
modo de "fazer" cultura?
-
O que mudou? Se remonto aos anos 50, na época em que o estudante que eu
era lia as obras de Lévi-Strauss e os primeiros textos de Lacan,
parece-me que a novidade era a seguinte: nós descobríamos que a
filosofia e as ciências humanas viviam sobre uma concepção muito
tradicional do sujeito humano, e que não bastava dizer, ora com uns, que
o sujeito era radicalmente livre e, ora com outros, que o sujeito era
determinado por condições sociais. Nós descobríamos que era preciso
procurar libertar tudo o que se esconde por trás do uso aparentemente
simples do pronome "eu" (je). O sujeito: uma coisa complexa, frágil,
de que é tão difícil falar, e sem a qual não podemos falar.
- Lacan teve muitos adversários. Ele foi acusado de hermetismo e de
"terrorismo intelectual.". O que o senhor pensa sobre essas
acusações?
-
Penso que o hermetismo de Lacan é devido ao fato de ele querer que a
leitura de seus textos não fosse simplesmente uma "tomada de consciência"
de suas idéias. Ele queria que o leitor se descobrisse, ele próprio,
como sujeito de desejo, através dessa leitura. Lacan queria que a
obscuridade de seus Escritos fosse a própria complexidade do sujeito, e
que o trabalho necessário para compreendê-lo fosse um trabalho a ser
realizado sobre si mesmo. Quanto ao "terrorismo", observarei
apenas uma coisa: Lacan não exercia nenhum poder institucional. Os que o
escutavam queriam exatamente escutá-lo. Ele não aterrorizava senão
aqueles que tinham medo. A influência que exercemos não pode nunca ser
um poder que impomos.
(In. Foucault. Ditos e escritos - vol.1 - Problematização do sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise.Rio de Janeiro: Forense Universitária,2006, 329-330p.).