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sexta-feira, 25 de maio de 2018

Lacan, o libertador da Psicanálise - por Foucault


Lacan. il `libertatore’ della psicanalisi" ["Lacan, o `libertador da psicanálise"; entrevista com J.Nobécourt; trad. A. Ghizzardi), Correre della sera vol. 106. n°212, 11 de setembro de 1981, p. 1.

     - Tem-se o hábito de dizer que Lacan foi o protagonista de uma "revolução da psicanálise". O senhor acha que esta definição de "revolucionário" é exata e aceitável?
     -Acho que Lacan teria recusado este termo de "revolucionário" e a própria idéia de uma "revolução em psicanálise". Ele queria apenas ser "psicanalista". Isso supunha, aos seus olhos, uma ruptura violenta com tudo o que tendia a fazer depender a psicanálise da psiquiatria, ou a fazer dela um capítulo sofisticado da psicologia. Ele queria subtrair a psicanálise da proximidade da medicina e das instituições médicas, que considerava perigosa. Ele buscava na psicanálise não um processo de normalização dos comportamentos, mas uma teoria do sujeito. Por isso é que, apesar de uma aparéncia de discurso extremamente especulativo, seu pensamento não é estranho a todos os esforços que foram feitos para recolocar em questão as práticas da medicina mental.

- Se Lacan, como o senhor disse, não foi um "revolucionário", é certo, contudo, que suas obras tiveram uma grande influência sobre a cultura dos últimos decênios. O que mudou depois de Lacan, também, no modo de "fazer" cultura? 
     - O que mudou? Se remonto aos anos 50, na época em que o estudante que eu era lia as obras de Lévi-Strauss e os primeiros textos de Lacan, parece-me que a novidade era a seguinte: nós descobríamos que a filosofia e as ciências humanas viviam sobre uma concepção muito tradicional do sujeito humano, e que não bastava dizer, ora com uns, que o sujeito era radicalmente livre e, ora com outros, que o sujeito era determinado por condições sociais. Nós descobríamos que era preciso procurar libertar tudo o que se esconde por trás do uso aparentemente simples do pronome "eu" (je). O sujeito: uma coisa complexa, frágil, de que é tão difícil falar, e sem a qual não podemos falar.
     - Lacan teve muitos adversários. Ele foi acusado de hermetismo e de "terrorismo intelectual.". O que o senhor pensa sobre essas acusações? 
     - Penso que o hermetismo de Lacan é devido ao fato de ele querer que a leitura de seus textos não fosse simplesmente uma "tomada de consciência" de suas idéias. Ele queria que o leitor se descobrisse, ele próprio, como sujeito de desejo, através dessa leitura. Lacan queria que a obscuridade de seus Escritos fosse a própria complexidade do sujeito, e que o trabalho necessário para compreendê-lo fosse um trabalho a ser realizado sobre si mesmo. Quanto ao "terrorismo", observarei apenas uma coisa: Lacan não exercia nenhum poder institucional. Os que o escutavam queriam exatamente escutá-lo. Ele não aterrorizava senão aqueles que tinham medo. A influência que exercemos não pode nunca ser um poder que impomos.

(In. Foucault. Ditos e escritos - vol.1 - Problematização do sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise.Rio de Janeiro: Forense Universitária,2006, 329-330p.).



segunda-feira, 23 de abril de 2018

Lacan & Foucault - Liberdade de expressão

"Além das conjunções de ordens estritamente teórica e institucional, na passagem dos anos 60 para os anos 70, Lacan e Foucault se aproximaram também no plano político. A questão que os reuniu foi a primeira mobilização de jornalistas franceses na defesa da liberdade de expressão.
Assim, o que estaria em pauta foi o que ficou conhecido como o "affaire Jaubert". Jaubert era o nome do jornalista da revista semanal Le Nouvel Observateur que foi agredido pela polícia parisiense no contexto de uma manifestação dos Atilheses, em Paris, na primavera de 1971. Com efeito, Jaubert foi violentamente agredido por policiais quando prestava os primeiros socorros a uma pessoa ferida na manifestação. O Ministério do Interior, além disso, indiciou então Jaubert, por ter supostamente agredido e insultado policiais, na tentativa de justificar o injustificável, qual seja, a agressão realizada pelos policiais contra o jornalista.
Em reação a isso foi então organizada uma comissão para investigar o que tinha de fato tinha acontecido, pois se desconfiava fortemente da versão da polícia. Esta comissão era formada por advogados, intelectuais e jornalistas e diferentes órgãos da imprensa, com colaborações políticas e editoriais diferentes, como Le Fígaro, Le Monde e Le Nouvel Observateur. O que estava em pauta efetivamente era a defesa ostensiva da liberdade de expressão pela comissão que se organizou para avaliar os acontecimentos, que o preocupante episódio em questão evidenciava.
Uma grande conferência de imprensa foi então realizada em 21 de junho de 1971, com a presença de Claude Mauriac, Denis Langlois, o advogado da Liga dos Direitos do Homem, assim como de Gilles Deleuze e de Michel Foucault. A primeira reunião deste grupo se realizara há poucas semanas, no consultório de Lacan, contando assim com a participação deste.
A consequência disso foi a constituição de outra comissão de inquérito que comprovou que a polícia mentira sobre o que se passara efetivamente, para tentar justificar de fato o injustificável, qual seja, a agressão ao jornalista como vingança da polícia para quem ajudasse os manifestantes a se defenderem da violência policial. Enfim, a liberdade de expressão e de manifestação foi então mantida, não obstante as posições não-republicanas da polícia e do Ministério do Interior em relação ao acontecimento.


(In. Lacan e Foucault -conjunções, disjunções e impasses. Joel Birman e Christian Hoffmann. São Paulo: Instituto Langage, 2017, pp. 130-131).