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sexta-feira, 28 de abril de 2017

Com amor - carta de Celso Afonso Gay de Castro pra Ana Cavalli


"Ana meu amor....
Ás vezes a convivência consigo mesmo se torna difícil. São aquelas horas perdidas na noite, em que uma vaga tristeza, um cansaço sem sono, uma grande saudade e uns tragos a mais ajudam a aprofundar uma depressão que já é quase estrutural.
Normalmente trato de dormir, sair, ler, tomar outros tragos, tirar o peso de cima.
Hoje é uma dessas noites. Depois de muito tempo pensando na vida, parece que a única coisa que devo fazer é escrever-te; afinal, pensar na vida hoje significa em grande medida pensar em ti.
A opção pela revolução é um elemento determinante nas coisas que faço, de uma maneira estrutural. Não que eu me considere um supermilitante, e que todos os meus atos de manhã a noite sejam reflexo da minha consciência bolchevique. O fato é que há muito tempo minha preparação principal e minha ocupação quase total se referem a um projeto revolucionário.
Também não quero dizer que todo o meu tempo eu dedico ao trabalho político, já que boa parte desse tempo eu dedico a nada. Depois de quase dois anos em Paris, consumindo-me no trabalho, na gráfica e em reuniões e mais reuniões de todos os tipos com produtividade política absolutamente insatisfatória, eu estava buscando uma alternativa.
Mudar de vida, de tipo de vida como única maneira de me inserir num projeto politico realmente sério e viável".
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(In. Filme Diário de uma busca - de Flávia Castro).

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domingo, 16 de abril de 2017

Bukowski - Morte & vida de um velho safado

"As 11:55 da manhã de quarta-feira, 9 de março de 1994, Bukowski morreu. Estava com setenta e três anos.
(...)
A ligação entre \mariana e o pai havia sido extremamente íntima. "Eu sempre soube que, se alguma coisa desse errado, tudo que eu tinha a fazer era pedir ajuda e ele dava um jeito", diz ela. "Mesmo sendo uma pessoa adulta, que tinha se virado por muitos anos, e me virado bem, notei que, além de sentir a falta dele depois que morreu, também sentia falta da segurança que tinha lá no fundo, sabendo que tudo estava sempre BEM, mas que, se não estivesse, podia chama-lo e, de algum modo, ele fatia com que tudo ficasse bem".
Embora Bukowski garantisse ser um solitário, alguém que não precisava ou não queria amigos íntimos, havia uma quantidade de homens e mulheres para quem sua morte foi uma grande perda.
(...)
Os obituários do jornal destacaram a imagem da vida desregrada de Bukowski. Ele era o "bardo do mar", um escritor simples que inexplicavelmente tinha um culto de seguidores. Com exceção de ocasionais boas críticas de seus romances e da atenção dispensadas a Barfly, a mídia de massa sempre o tratara com desprezo.
Contudo, Bukowski é único na literatura americana moderna, inclassificável e muito imitado. Seu estilo simples de prosa e poesia teve origem nas ideias comuns: ele foi influenciado, inicialmente, pela leitura de Hemingway e Fante, mas, como ele mesmo dizia, não se ria muito com Hemingway, então acrescentou humor. O dia a dia foi o tema escolhido por Bukowski, e não aventuras heroicas ou pessoas glamourosas, mas a experiência dos americanos não tão bem-sucedidos, vivendo em apartamentos baratos e tendo trabalhos degradantes. Escreveu de modo convincente sobre esse mundo, embora exagerasse e editasse sua ´própria história de vida. Também falou de relações humanas com sinceridade: a relação entre uma criança e seus pais, entre homens e mulheres.
Em função do seu gosto por escrever e pela bebida, seu desejo de sensacionalizar sua vida e de ser gratuitamente vulgar, Bukowski pôs-se em posição de ser criticado. Também publicou demais, com certeza muita poesia. Mas quando se lê seu trabalho cuidadosamente - os seis romances, as dúzias de contos, o roteiro e os inúmeros livros de poesia - vê-se uma filosofia pessoal descompromissada que é convincente, senão desafiadora: uma rejeição a regras impostas e degradantes, à autoridade e pretensão; uma aceitação do fato de que a vida humana é quase sempre desprezível e que as pessoas são frequentemente cruéis umas com as outras, mas que essa vida também pode ser bonita, sensual e engraçada".


(In. Howard Sounes. Vida e loucuras de um velho safado. São Paulo: Veneta, 2016, p. 325-328).