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domingo, 19 de maio de 2013

Com Freud... - Jacques Lacan


"É realmente impressionante que uma dimensão que se faz sentir como a de Outra-coisa em que tantas experiências que nos homens vivem, não, em absoluto, sem pensar nelas, e sim pensando, mas sem pensar que pensam e, como Telêmaco, pensando na despesa, nunca tenha sido pensada até congruentemente dita por aqueles a quem a idéia de pensamento garante pensar.
O desejo, o tédio, a reclusão, a revolta, a prece, a vigília (eu gostaria que nos detivéssemos nesta, já que Freud se refere expressamente a ela através da evocação, no meio de seu Schreber, de uma passagem do Zaratustra de Nietzsche), o pânico, enfim, estão aí para nos atestar a dimensão desse Alhures e para nos chamar a atenção para isso, não digo como simples estados d´alma que o pensa-sem-rir pode colocarem seu lugar, porém, muito mais consideravelmente, como princípios permanentes das organizações coletivas, fora das quais a vida humana não parece poder manter-se por muito tempo.
Sem dúvida, não é impossível que o mais pensável pensamento em-pensar, ele mesmo pensando ser essa Outra-coisa, possa ter sempre tolerado mal essa eventual concorrência.
Mas essa aversão torna-se perfeitamente clara, uma vez feita a junção conceitual, na qual ninguém pensara até então, desse Alhures com o lugar, presente para todos e vedado para caa um, em que Freud descobriu que, sem que se pense nisso, e portanto, sem que qualquer um possa pensar estar pensando melhor que outro, isso pensa. Isso pensa um bocado mal, mas pensa com firmeza, pois foi nestes termos que ele nos anunciou o inconsciente: pensamentos que, se as suas leis não são de modo algum as mesmas de nossos pensamentos de todos os dias, nobres ou vulgares, são perfeitamente articulados.
Mais um meio, portanto, de reduzir esse Alhures à forma imaginária de uma nostalgia, de um Paraíso perdido ou futuro; o que encontramos aí é o paraíso dos amores infantis, onde, Baudelaire de Deus!, ele se abstém de coisas escandalosas.
Aliás, se nos restasse alguma dúvida, Freud denominou o lugar do inconsciente por um termo que o impressionara em Fechner (que em seu experimentalismo, não era em absoluto o realista que nos sugerem nossos manuais): ein anderer Schauplatz, uma outra cena; e o retomou vinte vezes em suas obras inaugurais".

(De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 534-5). 


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