"Ana meu amor....
Ás vezes a convivência consigo mesmo se torna difícil. São aquelas horas perdidas na noite, em que uma vaga tristeza, um cansaço sem sono, uma grande saudade e uns tragos a mais ajudam a aprofundar uma depressão que já é quase estrutural.
Normalmente trato de dormir, sair, ler, tomar outros tragos, tirar o peso de cima.
Hoje é uma dessas noites. Depois de muito tempo pensando na vida, parece que a única coisa que devo fazer é escrever-te; afinal, pensar na vida hoje significa em grande medida pensar em ti.
A opção pela revolução é um elemento determinante nas coisas que faço, de uma maneira estrutural. Não que eu me considere um supermilitante, e que todos os meus atos de manhã a noite sejam reflexo da minha consciência bolchevique. O fato é que há muito tempo minha preparação principal e minha ocupação quase total se referem a um projeto revolucionário.
Também não quero dizer que todo o meu tempo eu dedico ao trabalho político, já que boa parte desse tempo eu dedico a nada. Depois de quase dois anos em Paris, consumindo-me no trabalho, na gráfica e em reuniões e mais reuniões de todos os tipos com produtividade política absolutamente insatisfatória, eu estava buscando uma alternativa.
Mudar de vida, de tipo de vida como única maneira de me inserir num projeto politico realmente sério e viável".
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(In. Filme Diário de uma busca - de Flávia Castro).
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