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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Sangue dos outros - Simone de Beauvoir (trecho)

Uma homenagem ao aniversário de Simone de Beauvoir (09/01/1908 - 14/04/1986)
"Se eu pelo menos me dedicar a defender o bem supremo...a Liberdade - então minha paixão não terá sido vã. Você não me deu a paz. Mas para que eu desejaria a paz? Você me deu a coragem de aceitar para sempre o risco e a agonia, de carregar nas costas meus crimes e minha culpa, que vão me dilacerar eternamente. Não há outro modo"

sábado, 7 de janeiro de 2012

Histórias de Arthur Bispo do Rosário

"Até o Natal de 1938, quando Bispo extrapolou o senso comum, suas epifanias passavam despercebidas. Ele levava uma vida prosaica e só se excedia nas manifestações de humildade. Um dia, ao ver o Dr. Humberto na sala, cigarro aceso, sem cinzeiro por perto, juntou as duas mãos grossas em forma de concha e não hesitou:
- Pode jogar as cinzas.
- Não Bispo, pega o cinzeiro ali para mim, por favor - retrucou Humberto, desconcertado.
- Pode jogar, minha mão é o seu cinzeiro - insistiu Bispo, de vigília, até o fim do cigarro" (p.49).

"[Bispo] defendia a família [que o abrigava] com zelo de patriarca. Sentava ao pé da cama de Belinha, olho esbugalhado, sem fresta ao cansaço. Ali permanecia até alta madrugada, se necessário, corpo em vigília.
Belinha estava grávida, ele a protegia. Quando ela deu à luz a menina Margareth, certa noite uma passagem causou espanto. A mãe entrou no quarto do bebê e encontrou Bispo ao lado do berço, assustado, às voltas com assombrações.
- O que  foi, Bispo?
- Acabei de ver o seu pai aqui, ele veio ver a neta.
Belinha sorriu, afinal, seu pai estava morto. De qualquer forma, perguntou pelo fantasma. Bispo descreveu-o em detalhes, feições, medidas, sem nunca tê-lo visto, sequer em fotografia. Ao final, elogiou o terno azul-marinho que ele vestia.
A mulher de Humberto arrepiou-se. Seu pai havia sido enterrado com esta roupa e, em vida, era o seu traje predileto. Na dúvida, Belinha remexeu o armário do quarto à procura de fotos antigas, já que não tinha o hábito de expor recordações em porta-retratos (...). Ao encontrar um antigo retrato do pai, cercado por colegas da juventude, perguntou:
- Qual deles esteve aqui?
- Este - respondeu Bispo, certeiro.
Sem hesitar, pôs o dedo no rosto do pai de Belinha, o da imagem " (p.55).

(In: Arthur Bispo do Rosário - O senhor do labirinto. Luciana Hidalgo. Rio de Janeiro: Rocco, 2011 [1996]).

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Esta velha angústia - Álvaro de Campos

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer -
Júpiter, Jeová, a Humanidade -
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!
 

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Se estou só, quero não estar - Fernando Pessoa

"Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada".

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cinema Paradiso (1988)

Cinema Paradiso (no original Nuovo Cinema Paradiso) é um filme italiano de 1988, do gênero drama, escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore.
Salvatore Di Vita é um cineasta bem-sucedido que vive em Roma. Um dia ele recebe um telefonema de sua mãe avisando que Alfredo está morto. A menção deste nome nome traz lembranças de sua infância e, principalmente, do Cinema Paradiso, para onde Salvatore, então chamado de Totó, fugia sempre que podia, depois que terminava a missa (ele era coroinha). No começo, ele costumava espreitar as projeções através das cortinas do cinema, que o padre via primeiro para censurar as imagens que possuíam beijos, e fazia companhia a Alfredo, o projecionista.[1] Foi ali que Totó aprendeu a amar o cinema.
Após um caso de amor frustrado com Elena, a filha do banqueiro da cidade, Totó deixa a cidade e vai para Roma, retornando somente trinta anos depois, por causa da morte de Alfredo. Ao final, o Novo Cinema Paradiso, já abandonado, acaba demolido pela prefeitura para construir um estacionamento. Voltando para Roma Totó assiste a uma fita com todas as imagens de beijo que o padre da cidade havia censurado.
Cena do filme:

The red shoes (1948) - trecho

"A impressão de simplicidade só pode ser conseguida com a agonia do corpo e do espírito".

Trailer do filme:

Possessed (1931) - trecho

"Não importa o que façam comigo (...). Se eu ganhar, será com você. Se eu perder, será com você".
Trecho do filme:

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

L´amour em fuite - Truffaut (trecho)

"O incrível é verdadeiro com frequência"
"-Meu coração estava disparado.
-Você certamente me enganou. Se eu soubesse. Por que não me disse antes?
-Eu tenho escondido meus sentimentos por toda minha vida. Eu sempre fui evasivo.
-Você não confia em ninguém.
-Confio em você, Sabine. De verdade"

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carta de Heidegger para Hannah Arendt

"Querida Hannah:
Anseio por te ver novamente, num sentido a-fenomenológico. Sinto a tua falta na minha clareira ek-sistencial. A minha mulher é chata, idiota e deixa-me o ser doente. Além disso, não percebe patavina daquilo que escrevo. Porque será? Também não compreende que a verdade (no sentido platónico de aletheia) de uma re-lação reside na in-sistência que busca o des-velamento.
Oh, Hannah... Só tu provocas no meu ser-aí a ab-soluta ek-citação. Deixa-me ir à tua casa do ser. Tira-me deste vazio utilitário e devolve-me uma ek-sistência individual concreta. Vamos estudar juntos o ser-para-a-pequena-morte.
Do sempre teu (ou, pelo menos, enquanto o ser me animar o ente)..."

Martin Heidegger
Repostagem do blog:

sábado, 17 de dezembro de 2011

Um conto chinês - trecho

"Querido Roberto...
Nas três horas em que estive no ônibus até chegar ao meu povoado, não teve um só minuto em que eu não pensasse em você.
É certo que quase nem te conheço, mas apenas de te ver entrar ... senti que te conhecia de toda uma vida.
Talvez porque haja duas coisas que logo percebo nas pessoas: a nobreza e a dor, e você possui ambas".
Na foto, cena em que Mari & Roberto conversam

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Trecho do livro "Sobre ética e Psicanálise" - Maria Rita Kehl

"O homem contemporâneo quer ser despojado não apenas de sua angústia de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à competência médica e às intervenções químicas a questão fundamental do destino das pulsões, quer, enfim, eliminar a inquietação que o habita em vez de indagar o seu sentido".
"O que o apelo contemporâneo ao gozo faz é dificultar o nosso reconhecimento da lei, por falta de uma base discursiva que confira apoio e significado à impossibilidade do gozo. Isso afeta necessariamente o efeito da Lei sobre as pessoas? Talvez, na medida em que nos propomos um gozo impossível como ideal a ser atingido e não - como no caso de uma sociedade vitoriana, por exemplo - como mal a ser evitado. Assim, o apelo ao gozo produz mais angústia do que o gozo propriamente dito, mais violência (pois é com violência que reagimos à violência dos imperativos) do que fruição".
(Maria Rita Kehl, em "Sobre ética e Psicanálise". SP: Companhia das Letras, 2007, p.8-15)

Trecho do livro "A histeria" - Juan David Nasio

"Atravessamos a angústia quando uma palavra, um acontecimento, um gesto ou um silêncio, não importa, uma revelação fulgurante proveniente do psicanalista ou surgida de improviso em mim mesmo, analisando, me faz compreender que eu podia aceitar perder, porque o risco nunca foi o risco de um todo, mas de uma parte; e de uma parte que estará sempre perdida. Compreendi, não mentalmente, mas em ato, que qualquer que seja o resultado final dessa travessia da angústia, o risco continuará necessariamente parcial, e a perda, inevitavelmente sofrida. Compreendi, e meu corpo compreendeu, que nunca perderei tudo, e que, se ganhar, jamais ganharei sem perder ".
(Juan David Nasio. A Histeria. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. p.91)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carta de Frida para Diego, por ocasião do aniversário dele, em 8/12/1938

São seis da manhã
e os perus estão cantando.
calor da ternura humana
Solidão acompanhada -
Nunca me esquecerei da sua presença
por toda a minha vida
Você me recolheu quando eu estava destruída
e me fez inteira de novo
Nesta pequena terra
Pra onde hei de dirigir meu olhar?
Tão imenso e profundo!
Já não há mais tempo. Já não há mais nada.
Distância. Só existe a realidade
O que foi, se foi pra sempre!
O que existe são raízes
que parecem transparentes
transformadas
Na eterna árvore frutífera
Suas frutas me dão sua cor
crescendo com a alegria
dos ventos e floradas.
Não pare de dar sede
à árvore da qual você é o sol, a árvore
que entesourou sua semente
"Diego" é o nome do amor.
(In: Frida, a biografia. Hayden Herrera. São Paulo:Globo, 2011. p.293)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O prisioneiro da passagem - Hugo Denizart (1982)


Realização: Hugo Denizart
Direção: Maria Alves de Lima
Produção: CNPI (Centro Nacional de Produção Independente)
Edição e montagem: Ricardo Miranda
Fotografia e câmera: John Howard Szerman
 *
Documentário curta sobre o sergipano ex marinheiro, pugilista, acidentado de trabalho pela Viação Excelsior (subsidiária da Light) e empregado doméstico, Arthur Bispo do Rosario, interno número 01662 daquele que chegou a ser o maior manicômio das Américas durante os anos 1960, a Colônia Juliano Moreira, no bairro de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, sob o diagnóstico único de esquizofrênico paranóico, desde os seus presumíveis 29 anos de idade, em 25 de janeiro de 1939 (cinco anos depois do interno fugitivo Ernesto Nazareth ser encontrado morto por afogamento), até o seu infarto do miocárdio às dezenove horas do dia 5 de julho de 1989.
O legado de Bispo de mais de 1000 peças, entre bordados, estandartes, “assemblages”, roupas, esculturas, arquivos e anotações, começou a ser conhecido fora do manicômio a partir de uma reportagem do jornalista Samuel Wainer Filho para o programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 18 de maio de 1980, cuja pauta inicial era denunciar os maus tratos sofridos pelos internos psiquiátricos. Dois anos depois, foi convencido a permitir que algumas de suas peças saíssem do manicômio para integrarem a exposição coletiva “À margem da vida”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, junto com trabalhos praxiterapêuticos de presidiários, menores infratores, idosos e alguns outros pacientes psiquiátricos.
***
Hugo Denizart “nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1946, e singularizou-se por unir a fotografia à sua experiência como psicanalista e psiquiatra, muito embora tenha tido um começo de carreira ortodoxo no campo da imagem por atuar como repórter fotográfico do Jornal do Brasil entre 1971 e 1973. Seu primeiro ensaio pessoal focalizou os moradores de rua do Ceará, em 1971. Concentrou-se depois na cidade do Rio de Janeiro, onde realizou significativos e distintivos ensaios sobre temas polêmicos e candentes como a Cidade de Deus (1978); os internos da colônia psiquiátrica Juliano Moreira (1980); as prostitutas de Vila Mimosa (1988); e os travestis da praça Tiradentes (1997). Publicou os livros de fotografia: Região dos Desejos (1983); Inventando Corpos (1987); Como Eles Dizem… (1991); e Engenharia Erótica (1998); assim como um livro de poesia e textos curtos intitulado Conto do Vigário (2003).” (Pedro Vasquez, “Memória das Artes”, Funarte: funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/biografia-de-hugo-denizart/ )
“Dirigiu os filmes documentários Líderes de quadrilha (1980); Prisioneiro da passagem (1982), sobre o artista Arthur Bispo do Rosário, interno da Colônia Juliano Moreira; e Região dos desejos (1983), sobre as internas da Colônia Juliano Moreira. Recebeu o prêmio de melhor exposição de fotografia da Associação Paulista de Críticos de Arte (1984).” (Coleção Pirelli/MASP de Fotografia: colecaopirellimasp.art.br/autores/115/obra/415 )

 Documentário disponível no link: