No caso da histeria, a questão norteadora seria: "O que é uma mulher?". Já na obsessão, teríamos:"Estou vivo ou estou morto?".
Vem do psicanalista Jacques Lacan a idéia de que a neurose é, no fundo, uma questão. Neste momento em que os diagnósticos clínicos psiquiátricos simplesmente abandonaram o conceito de neurose, como se se tratasse de algo muito vago e amplo, a idéia lacaniana mereceria ser levada mais a sério.
Por trás dela, há a importante compreensão de que certos sujeitos podem organizar suas vidas de maneira tal que, em vários momentos, uma mesma questão aparecerá mostrando como as respostas anteriores eram provisórias.
Essa pergunta vai polarizar os conflitos, indicando um ponto estruturalmente frágil sem resposta definitiva.
Note-se que a natureza neurótica da pergunta não está na sua enunciação, pois não há nada em sua enunciação que seja particularmente extraordinário. Na verdade, ela se encontra na impossibilidade de suportar a ausência de uma resposta decisiva que nos colocaria, de uma vez por todas, em uma posição existencial assegurada.
Por isso, para o neurótico, tais questões são insuportáveis e insuperáveis, fonte constante de sofrimento psíquico. Elas se transformaram no dispositivo de confrontação constante com o desamparo.
No quadro clínico psicanalítico, encontramos, principalmente, duas formas estruturais de neurose: a histeria e a obsessão. Como tais, elas desapareceram dos manuais de psiquiatria contemporâneos (como o DSM-IV e o CID-10).
No entanto, seus sintomas foram dissociados, produzindo várias nosografias, como o transtorno de personalidade histriônica, o transtorno obsessivo-compulsivo, os transtornos somatoformes, entre outros.
Uma boa pergunta é: "O que se perdeu com a dissecação da histeria e da obsessão em vários subsistemas de sintomas?". Uma das boas respostas que Jacques Lacan nos propiciaria seria: "Perdeu-se a capacidade de compreender as questões que animam a vida dessas pessoas e que as levam a situações constantes de sofrimento".
No caso da histeria, a questão norteadora seria: "O que é uma mulher?". Já na obsessão, teríamos: "Estou vivo ou estou morto?".
A dissemetria dessas duas questões é apenas aparente. Embora a primeira veicule, de maneira mais evidente, posição existencial e identidade de gênero (o que não poderia ser diferente na medida em que a psicanálise se serve das neuroses para pensar o processo conflitual de produção de tais identidades), as duas são modos de expor a insegurança a respeito dos vínculos produzidos pelo desejo.
No decorrer de nossas vidas, assumimos papéis, modelos de comportamento e posições que parecem desvelar, em ocasiões particularmente difíceis, uma grande carga de alienação.
Uma mulher que transforma a feminilidade em uma questão existencial demonstra claramente o estranhamento de quem se pergunta: "O que h´em mim que me faz suportar o lugar ("mulher") no qual estou e para o qual o olhar desejante do outro se volta?".
Como uma clássica filósofa nominalista, ela vê o nome como uma estranha etiqueta que se cola sobre as coisas. Como ela é essa coisa, tudo sepassa como se o desejo daquele que cola etiquetas fosse, de longe, um mistério e, de perto, uma fonte repugnante de angústia e desgosto.
Desse impasse, ela não saberia escapar, já que os dois pólos são, à sua maneira, verdadeiros.
Já aquele que se pergunta se está realmente vivo, aquele que sente em si mesmo algo em processo inexorável de mortificação, age como se a presençado desejo que vivifica não fosse algo evidente. Fácil seria dizer que tais pessoas se colocaram em posições nasquais os papéis emodelos assumidos funcionam como uma defesa mortificante contra o próprio desejo.
No entanto, elas parecem dizer que não sabem onde está esse desejo capaz de nos livrar de um desamparo mortificante. Elas não têm certeza se tal desejo está fora ou dentro dos papéis e modelos assumidos. Desse impasse, elas também não sabem como escapar.
Talvez porque nos dois casos, como dizia Wittgenstein, a resolução do problema não acontece com uma boa resposta, mas apenas quando desenvolvemos a força de esquecer o problema.
(Coluna extraída da revista CULT nº 161 - Ano 14 - set/2011)