"Ora, o que se constata? Que, no
esquema romântico, a relação da verdade com a arte é de fato imanente (a arte
expõe a descida finita da Idéia), mas não singular (pois se trata da verdade, e o
pensamento do pensador não se coaduna com nada que difere do que o dizer do
poeta desvela). Que, no didatismo, a relação é certamente singular (só a arte
pode expor uma verdade sob a forma de aparência), mas de modo algum
imanente, pois em definitivo a posição da verdade é extrínseca. E que,
finalmente, no classicismo, trata-se apenas do que uma verdade coage no imaginário,
sob a forma do verossímil.
Nos esquemas herdados, a relação
das obras artísticas com a verdade jamais consegue ser ao mesmo tempo singular
e imanente.
Afirmar-se-á, portanto, essa simultaneidade.
O que também se diz: a própria arte é um procedimento de verdade. Ou
ainda: a identificação filosófica da arte depende da categoria de verdade.
A arte é um pensamento cujas
obras são o real (e não o efeito). E esse pensamento, ou as verdades que ele ativa,
são irredutíveis às outras verdades, sejam elas científicas, políticas ou
amorosas. O que também quer dizer que a arte, como pensamento singular, é irredutível
à filosofia.
Imanência: a arte é rigorosamente
coextensiva às verdades que prodigaliza.
Singularidade: essas verdades não
são dadas em nenhum outro lugar a não ser na arte.
Nessa visão das coisas, o que
ocorre com o terceiro termo do entrelaçamento, a função educativa da arte? A
arte educa simplesmente porque produz verdades e porque "educação"
jamais quis dizer nada além (a não ser nas montagens opressivas ou pervertidas)
do seguinte: dispor os conhecimentos de tal maneira que alguma verdade possa se
estabelecer.
A coisa pela qual a arte educa é
simplesmente a sua existência.
Trata-se apenas de encontrar essa
existência, o que quer dizer: pensar um pensamento.
A filosofia deve, a partir de
então, no que diz respeito à arte e a todo procedimento de verdade, mostrá-Ia
como tal. A filosofia é de fato a intermediária dos encontros com as
verdades, a alcoviteira do verdadeiro. E da mesma maneira que a beleza deve
estar na mulher encontrada, mas não é absolutamente exigida da alcoviteira, as
verdades são artísticas, científicas, amorosas ou políticas, e não filosóficas".
Continua...
*
(In.Pequeno manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p.20-1).