Um leitor impaciente poderia, no entanto, se perguntar por que perder tempo com teoria e discussão sobre princípios se as urgências práticas da política parecerem tão prementes. Nesse sentido, valeria a pena lembra-lo dos parágrafos iniciais de Carta ao humanismo, em que Martin Heidegger é confrontado com uma pergunta a respeito da relação entre pensamento e práxis. Marx já dissera que a função da filosofia era transformar o mundo, e não simplesmente pensa-lo. Heidegger faz um adendo de rara precisão: o pensamento age enquanto pensa.
Na verdade, esse agir próprio ao pensamento é talvez o agir mais difícil e decisivo. Não se trata da velha crença de o pensamento, no fundo, ser um subterfúgio para a ação, uma compensação quando não somos capazes de agir. Se podemos dizer que o pensamento age quando pensa, é porque ele é a única atividade que tem força de modificar nossa compreensão do que é, de fato, um problema, qual é o verdadeiro problema que temos diante de nós e que nos impulsiona a agir. É o pensamento que nos permite compreender como há uma série de ações que são, apenas, lances no interior de um jogo cujo resultado já está decidido de antemão.
A sociedade capitalista contemporânea procura dar aos sujeitos a impressão de eles terem possibilidades infinitas, de poderem decidir sobre tudo a todo momento. Um pouco como as decisões de consumo, cada vez mais "customizadas" e particularizadas. No entanto, talvez seja correto dizer que essa ação não é um verdadeiro agir, pois é incapaz de mudar as possibilidades de escolha, que já foram previamente determinadas. Ela não produz seus próprios objetos, apenas seleciona objetos e alternativas que já foram previamente postos na mesa. Por isso, essa ação não é livre.
Quando realmente pensamos, conseguimos ir além dessa redução da liberdade a um simples livre-arbítrio que me faz escolher no interior de um quadro que me é imposto sem que eu possa produzi-lo. Por isso, o pensamento, quando aparece, exige que toda ação não efetiva pare, a fim de que o verdadeiro agir se manifeste. Nessas horas, entendemos como, muitas vezes, agimos para não pensar, pois pensar de verdade significa pensar na sua radicalidade, utilizar a força crítica e a força radical do pensamento.
Quando a força crítica do pensamento começa a agir, então todas as respostas começam a ser possíveis, alternativas novas começam a aparecer na mesa. Nesses momentos, é como se o espectro das possibilidades aumentasse, uma vez que, para que novas propostas apareçam, é necessário que saibamos, afinal de contas, quais são os verdadeiros problemas. E talvez devamos colocar novamente esta questão simples: para uma perspectiva de esquerda, quais são os verdadeiros problemas?
(In. A esquerda que não teme dizer seu nome. São Paulo: Três estrelas, 2012, pp. 17-19).
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