"3. Terceira sugestão: Ensine a ela que "papéis de gênero" são totalmente absurdos. Nunca lhe diga para fazer ou deixar de fazer alguma coisa "porque você é menina".
"porque você é menina" nunca é razão para nada. Jamais.
Lembro que me diziam quando era criança para "varrer direito, como uma menina". O que significava que varrer tinha a ver com ser mulher. Eu prefiria que tivessem dito apenas para "varrer direito, pois assim vai limpar melhor o chão". E prefiria que tivessem dito a mesma coisa para os meus irmãos.
Ultimamente ocorreram uns debates nas redes sociais nigerianas sobre as mulheres e a cozinha, que diziam que as esposas precisam cozinhar para os maridos. É engraçado, quero dizer, engraçado como uma coisa triste, que em 2016 ainda estejamos falando de cozinhar como uma espécie de "teste de boa esposa" para as mulheres.
Saber cozinhar não é algo que vem pré-instalado na vagina. Cozinhar se aprende. Cozinhar - o serviço doméstico em geral - é uma habilidade que se adquire na vida, e que teoricamente homens e mulheres deveriam ter. É também uma habilidade que às vezes escapa tanto aos homens quanto às mulheres.
Também temos de questionar a ideia do casamento como um prêmio para as mulheres, pois é o que está na base desses debates absurdos. Se pararmos de condicionar as mulheres a verem o casamento dessa forma, não precisaremos discutir tanto se uma esposa precisa cozinhar para ganhar esse prêmio.
Acho interessante como o mundo começa a inventar papéis de gênero desde cedo. Ontem fui a uma loja infantil para comprar uma roupa para Chizalum. Na seção das meninas, havia umas coisas pálidas espantosas, em tons de rosa desbotado. Não gostei. A seção dos meninos tinha roupas num tom azul forte e vibrante. Como achei que o azul ia ficar lindo em contraste com a pele morena dela - e sai melhor nas fotos -, comprei uma roupinha azul. A moça do caixa me disse que era o presente ideal para um garotinho. Falei que era para uma menininha. Ela fez uma cara horrorizada: "Azul para uma menina?".
Fico imaginando quem foi o gênio do marketing que inventou essa dualidade rosa-azul. Havia também uma seção de "Gênero neutro", com uma infinidade de cinzassem graça. "Gênero neutro" é uma bobagem, porque tem como premissa a ideia do masculino como azul e do feminino como rosa, sendo o "gênero neutro" uma categoria própria. Por que não organizar as roupas infantis por idade e expô-las em todas as cores? Afinal, todos os bebês têm o corpo parecido.
Olhei a seção de brinquedos, também organizada por gênero. Os brinquedos para meninos geralmente são "ativos", pedindo algum tipo de "ação" - trens, carrinhos -, e os brinquedos para meninas geralmente são "passivos", sendo a imensa maioria bonecas. Fiquei impressionada com isso. Eu não tinha percebido ainda como a sociedade começa tão cedo a inventar a ideia do que deve ser um menino e do que deve ser uma menina. Eu gostaria que os brinquedos fossem divididos por tipo, não por gênero.
(...)
Se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial. Por favor, veja Chizalum como indivíduo. Não como uma menina que deve ser de tal ou tal jeito. Veja seus pontos fortes e seus pontos fracos de maneira individual. Não a meça pelo que uma menina deve ser. Meça-a pela melhor versão de si mesma.
Uma jovem nigeriana uma vez me contou que passou muitos anos se comportando "como menino" - gostava de futebol e não achava graça em vestidos -, até que a mãe a obrigou a abandonar seus interesses "de menino" e agora ela agradece à mãe por ajuda-la a começar a se comportar como menina. A história me deixou triste. Fiquei imaginando o que ela teve de abafar e silenciar dentro de si, o que sua personalidade perdeu, pois aquilo que a moça chamava de "se comportar como um menino" era, na verdade, se comportar como ela
mesma.
(...)
Os estereótipos de gênero são tão profundamente incutidos em nós que é comum os seguirmos mesmo quando vão contra nossos verdadeiros desejos, nossas necessidades, nossa felicidade. É muito difícil desaprende-los, e por isso é importante cuidar para que Chizalum rejeite esses estereótipos desde o começo. Em vez de deixa-la internalizar essas ideias, ensine-lhe autonomia. Diga-lhe que é importante fazer por si mesma e se virar sozinha. Ensine-a a consertar as coisas quando quebram. A gente supõe rápido demais que as meninas não conseguem fazer várias coisas. Deixe-a tentar".
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(In. Chimanda Ngozi Adichie. Para educar crianças feministas - um manifesto. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pp. 21-28).