"A luxúria de estar vivo me espantava, na minha insônia sem eu entender que a noite do mundo e a noite do viver são tão doces que até se dorme. Que até se dorme, meu Deus".
(In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, 1984).
"...nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.
Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar".
(In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.50)
Um filme fascinante daquele que, junto a Vittorio de Sica e Bertolucci, está entre meus diretores italianos favoritos.
A história de um homem inteligente e sensível, comum, mas que ao contrário de outros, tem uma crítica da situação sócio-política de seu país, e não vive à sombra da grande maioria silenciosa (ops, acho que plagiei o título de um livro, foi sem querer).
Ele não sabe muito bem que rumo a História irá tomar, mas não permite que o cotidiano esmague a beleza de seus dias, e nem sente vergonha de sua angústia. Pelo contrário, muito pelo contrário.
"É inútil tentar não errar. Vão errar muitas vezes.
"A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tottuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio".
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"O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. Tenho medo do domingo maldito que me liquidifica".
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"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada".
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"O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe. Porque então tenho aos meus pés todo um mundo desconhecido que existe pleno e cheio de rica saliva. A verdade está em alguma parte: mas inútil pensar. Não a descobrirei e no entanto vivo dela".
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"Criar a si próprio um ser é muito grave. Estou me criando. E andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos. Dói. Mas é dor de parto: nasce uma coisa que é. É-se. É duro como uma pedra viva".
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"De novo estou de amor alegre. O que és eu respiro depressa sorvendo o teu halo de maravilha antes que se finde no evaporado o ar. Minha fresca vontade de viver-me e de viver-te é a tessitura mesma da vida? A natureza dos seres e das coisas - é Deus? Talvez então se eu pedir muito à natureza, eu paro de morrer? Posso violentar a morte e abrir-lhe uma fresta para a vida?"
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"Ao amanhecer eu penso que nós somos os contemporâneos do dia seguinte: que o Deus me ajude. Estou perdida. Preciso terrivelmente de você. Nós temos que ser dois. Para que o trigo fique alto.".
" Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos são o limão na ostra? Será que a ostra dorme?".
(In: Água viva. São Paulo: Círculo do livro, 1973).
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"Mas, quem teria a crueldade de interrogar aquele que se verga sob o fardo da bagagem, quando seu porte leva claramente a supor que ela está cheia de tijolos? No entanto, o ser é o ser, seja quem for que o invoque, e temos o direito de perguntar o que ele vem fazer aqui."
(A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998 [1966]. p.593)
"Estou assustado. Tenho medo que fuja para esse lugar onde vive se escondendo e ninguém a encontra. É por isso que sou tão insistente".
"- Por que já pensou em se matar?
- Penso em me matar quando acho que sou a única pessoa no mundo inteiro. E essa parte de mim se sente presa a este corpo que apenas tropeça em outros corpos, sem nunca ter contato com a unica outra pessoa no mundo dentro dele. Precisamos de contato. Apenas temos que."
"Estou cansada. Estou tão cansada de ter medo".
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"Acho que já éramos um casal antes mesmo de nos conhecermos"
"Ser psicanalista para Lacan supunha um ruptura violenta com tudo o que tendia a fazer depender a Psicanálise da Psiquiatria, ou fazer dela um capítulo sofisticado da Psicologia. Ele queria subtrair a Psicanálise da proximidade da Medicina e das instituições médicas, que considerava perigosas. Ele buscava na Psicanálise não um processo de normatização dos comportamentos, mas uma teoria do sujeito".
(In: Entrevista de Foucault ao jornal Corriere della Sera, em 11/09/81, após a morte de Lacan)
Ao assistir "Enrolados", o mais recente longa de animação dos estúdios Disney (releitura do clássico conto Rapunzel). torna-se possível articular diversos conceitos chave da Psicanálise, o que ratifica a estreita proximidade deste saber com o cinema, tal como em outras modalidades de arte.
Freud já havia abordado sobre a verdade do sujeito que a Arte antevém - o que mantém a Psicanálise em seu encalço; Lacan reafirmou e ampliou tal abordagem.
Atenhamo-nos, entrementes, a um breve esboço da história: tendo sido enclausurada no alto de uma torre, Rapunzel está prestes a completar dezoito anos sem nunca ter tido contato com o ambiente externo; a razão do aprisionamento se encontra nos poderes mágicos do cabelo da garota, que quando despertados por específica canção, são capazes de curar qualquer doença, cicatrizar feridas e, o que mais interessa à bruxa má que se faz passar por mãe, retrocede o efeito do tempo sobre o corpo, preservando a juventude.
Argumentando que o mundo é repleto de perigos e que por conta de sua fragilidade Rapunzel jamais sobreviveria fora da torre, a "mãe" usufrui da prisão da filha para manter-se jovem, impedindo que a garota viva plenamente, e a esta só resta entregar-se à leitura, pintura, bordados... enfim, todo tipo de atividade pelas quais tenta em vão preencher o vazio.
A sorte de Rapunzel muda quando por acaso Eugene, para fugir de ladrões, escala a torre em que ela vive; passado o estranhamento do primeiro contato os dois estabelecerão um acordo: em troca de uma jóia preciosa que está no poder de Rapunzel Eugene a levará para explorar o mundo. Durante a travessia dá-se então um encontro simbólico, marcado pela diferença que reafirma a falta ao invés de tamponá-la; o rapaz, graças a Rapunzel, legitima-se como homem, e é claro, faz dela Mulher.
A constituição do sujeito, mãe devoradora, atravessamento do complexo de Édipo feminino, posição feminina e masculina, a significação do falo, o encontro amoroso (faltoso)....é um pouco do muito que se pode contextualizar da Psicanálise em Enrolados, que também evoca questões mitológicas que não caberiam em breves linhas. Um longa que, diga-se de passagem, está longe de entreter unicamente às crianças...
"- Não pude deixar de notar, você parece estar em guerra consigo mesma.
- Sério?
- É compreensível. Mãe protetora, uma viagem proibida, é algo complicado. Mas deixe-me acalmar sua consciência. Isto faz parte de crescer. Um pouco de rebelião e aventura. É bom. Até saudável.
- Você acha?
- Eu sei. Está se estressando à toa. Será que a sua mãe merece isso? Não. Será que partirá e esmagará a alma dela? Claro. Mas você tem de fazê-lo.
- Partir o coração?´
- É possível.
- Esmagar a alma dela?
- Como uma uva.
- Ela ficaria de coração partido, você tem toda razão.
Quando jovem, Lacan freqüenta os surrealistas e chega a ser médico pessoal de Picasso. Sua tese de doutorado traz um diálogo com idéias de Salvador Dali, e obtém maior reconhecimento no meio artístico do que no psiquiátrico e psicanalítico de então. A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco, biógrafa de Lacan, chega a afirmar que ele teria sido influenciado em igual medida pelo freudismo, pela psiquiatria e pelo Surrealismo.
"E sem mais nem menos perguntei: "o que mais interessa às pessoas? Às mulheres, digamos". Antes que ele pudesse responder, ouvimos do fundo da enorme sala a minha amiga respondendo em voz alta e simples: "O homem". Rimos, mas a resposta é séria. É com um pouco de pudor que sou obrigada a reconhecer que o que mais interessa à mulher é o homem.
Mas que isso não nos pareça humilhante, como se exigissem que em primeiro lugar tivéssemos interesses mais universais. Não nos humilhemos, porque se perguntarmos ao maior técnico do mundo em engenharia eletrônica o que é que mais interessa ao homem, a resposta íntima, imediata e franca será: a mulher. E de vez em quando é bom lembrarmo-nos dessa verdade óbivia, por mais encabulante que seja. Hão de perguntar: "mas em matéria de gente, não são os filhos o que mais nos interessa?". Isto é diferente. Filhos são, como se diz, a nossa carne e o nosso sangue, e nem se chama de interesse. É outra coisa. É tão outra coisa que qualquer criança do mundo é como se fosse nosa carne e nosso sangue. Não, não estou fazendo literatura. Um dia desses me contaram sobre uma menina semiparalítica que precisou se vingar quebrando um jarro. E o sangue me doeu todo. Ela era uma filha colérica.
O homem. Como o homem é simpático. Ainda bem. O homem é a nossa fonte de inspiração? É. O homem é o nosso desafio? É. O homem é o nosso inimigo? É. O homem é o nosso rival estimulante? É. O homem é o nosso igual, ao mesmo tempo inteiramente diferente? É. O homem é bonito? É. O homem é engraçado? É. O homem é um menino? É. O homem também é um pai? É. Nós brigamos com o homem? Brigamos. Nós não podemos passar sem o homem com quem brigamos? Não. Nós somos interessantes porque o homem gosta de mulher interessante? Somos. O homem é a pessoa com quem temos o diálogo mais importante? É. O homem é um chato? Também. Nós gostamos de ser chateadas pelo homem? Gostamos.
Poderia continuar com esta lista interminável (...). Mas acho que ninguém mais me mandaria parar. Pois penso que toquei num ponto nevrálgico. E, sendo um ponto nevrálgico, como o homem nos dói. E como a mulher dói ao homem.
(In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.20-2).
"Não devemos tentar viver com algo diferente do que somos. Isso não seria arremedar Deus?".
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"Talvez exista um Deus que nos conheça. Se assim for, tenho certeza de que ele guardou toda a generosidade que demos um ao outro. E se ele não existe, minha alma irmã, então não pode haver em todo universo nignuém que conheça o outro melhor do que tu e eu. Pois deste-me corpo e alma, assim como entreguei-me de corpo e alma para ti. Onde estavas, eu estava, e onde eu estava, aí querias estar".
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"A vida é tão curta que não temos tempo de proferir nenhum julgamento condenatório sobre o amor".
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"Quem deseja muito, muita falta sente".
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"Uma coisa é levantar-se logo após a queda, outra coisa é não cair nunca".
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"Aperta-me. A vida é tão curta e não podemos ter certeza de que exista alguma eternidade para nossas almas frágeis. Talvez esta seja a nossa única vida".
"Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da Terra".
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"O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado".
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"Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno".
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"O rumor das vozes e dos veículos acordou um mendigo que dormdia nos degraus da igreja. O pobre diabo sentou-se, viu o que era, depois tornou a deitar-se, mas acordado, de barriga para o ar, com os olhos fitos no céu. O céu fitava-o também, impassível como ele, mas sem as rugas do mendigo, nem os sapatos rotos, nem os andrajos, um céu claro, estrelado, sossegado, olímpico, tal qual presidiu às bodas de Jacob e ao suicídio de Lucrécia. Olhavam-se numa espécie de jogo do siso, com certo ar de majestades rivais e tranquilas, sem arrogância nem baixeza, como se o mendigo dissesse ao cèu: