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sábado, 10 de agosto de 2013

Alô, Lacan? É claro que não - Jean Allouch (trechos).

 
*A Psicanálise, seu público e o estado.
Graças a uma lei que favorecia, dizia-se, a assimilação dos judeus, seu pai tinha optado por um sobrenome claramente francês. Ele, até aí, não se interessara por esta questão.
Mas eis que ela agora es...tá na ordem do dia em sua análise. Torna-se claro que se trata, para ele, de acrescentar a "seu" nome-próprio o nome de antes da decisão paterna. Ele se chamaria, doravante, Senhor X hífen Y.
Tratar-se-ia de uma veleidade? De fato, Lacan não lhe deixa tempo para hesitação. Presidindo então uma reunião da École freudienne durante a qual seu analisante deveria tomar a palavra, declara:
- Bom, passo agora a palavra a ... (seu nome) X-Y" - ( p.33).
*
*Casamento.
Ele levou muito tempo para se decidir.
Durante muitos meses, contara a Lacan sobre seu amor por XXX, falou dela, de sua relação com ela, de sua vida enfim, tinha analisado tudo, o porquê de sua escolha dela, a que seu nome remetia, etc.
Ele chega a sessão e diz:
- Eu ne caso na próxima semana.
Lacan:
- Com quem?" - ( p.37).
*
* Conjuração?
No tom irritado que é habitualmente o deste tipo de afirmação, ele diz:
- Puxa, sou uma besta.
Lacan:
- Não é porque você diz que não é verdade" - (p. 39).
*
*Deitar
- Sonhei que você ´propôs que eu deitasse e eu lhe dizia:
- Por que isso agora?
Lacan:
- Deite, meu caro" - (p. 42).
*
* Dialética de uma intervenção
Jesuíta em análise com Lacan, ele faz parte da primeiríssima geração de alunos. Um dia, na sessão, fala de sua intenção de deixar a Companhia e se casar.
Lacan fez tudo para dissuadi-lo disso, chegando até a dizer-lhe que o supereu, no casamento, seria pior que na igreja.
Resultado? O analisante realiza sua decisão, mas de certa maneira: ficou convencido de que a tomara sozinho" - (p. 45).
*
*Go between?
Médico hindu, ele faz uma pequena análise com Lacan. No fim deste percurso, ousa perguntar:
- Você diz que uma carta sempre chega a seu destino. Ora, Althusser diz o contrário: acontece de uma carta não chegar a seu destinatário. O que você pensa de sua tese, que ele diz materialista?
Lacan, a se crer neste analisante, refletiu bons dez minutos antes de responder:
- Althusser não é praticante" - (p.60).

*
*Primeira sessão com Lacan.
Ela pede a Lacan retomar sua análise com ele, seu analista acaba de morrer, será enterrado naquele dia.
- Quando?
- Agora.
- Você não pretende ir ao enterro?...
- (ela, um pouco hesitante) - sim.
- Você dispõe de um meio de locomoção?
Uma velha 4L a espera, de fato, nas proximidades da Rue de Lille, 5, então, ela responde afirmativamente.
Depois, dirigindo-se a Glória:
- Glória, meu casaco!
Abandonando os clientes que se amontoavam na sala de espera e na biblioteca, eis Lacan em sua 4L, acompanhando-a ao enterro de seu ex-psicanalista. Foi assim a primeira sessão com Lacan" - (p.80).

*
*Vidência
Na véspera de um de seus exames de medicina, ele diz a Lacan na sessão:
- Puxa, que noite!
Evocava assim, não sem ênfase, sua noite de trabalho? Ou de insônia, motivada por sua preocupação com o exame?
De toda forma, Lacan logo replicou:
- Leucemia?
Ele decide preparar a questão "leucemia";
No dia seguinte, na sala de exame, inquietação...
Pois bem, não! Não é leucemia que cai.
Mas logo se percebe que há erro: vai ser examinado numa outra sala; e lá, fato extraordinário, lhe é pedido exatamente "tratar" da leucemia!
O que ele fez. Brilhantemente.
Saída do exame. Ele vai a sua sessão. Com esta incrível questão: como Lacan pôde saber?
Resposta:
- É pura questão de lógica*
* lógica do significante: noite branca = leukos = leucemia?!" - (p.96).
*
*É simples.
A um doente que declara que seus convidados ouvem os maus pensamentos que lhe vêm a respeito deles:
- Você assim mesmo deve perceber um pouco que, se você pensa que os outros pensam que você pensa mal sobre eles, isto talvez seja simplesmente pelo fato de que você pense mal" - (p. 103).
*
*Prescrição no sentido certo.
O doente desenvolveu amplamente como, permanentemente, se sentia seguido.
Estamos agora no fim da apresentação, que Lacan termina dizendo a seu interlocutor, muito gentilmente:
- Bom, vamos agora indicar-lhe alguém que vai segui-lo" - (p. 110).
*
*Topologia...ou geometria?
Há muito tempo Lacan já se apoiava na escrita topológica, a qual, sabe-se, é de outra ordem que a geometria.
Na época do borromeano, durante uma apresentação de doentes, tratou-se de círculo, isto - é claro - por... parte do doente. Este se definia, de fato, como centro solitário de um círculo solitário, o que não o impedia de também dizer que ele não tinha limites.
Lacan lhe fez um aparte sobre esta contradição:
- Um círculo tem bordas!
Resposta do doente:
- O senhor pensa em termos geométricos!" (p. 112).

*
(Alô, Lacan? É claro que não. Jean Allouch. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999).
 

 
 



 
 
 
 

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