"A descoberta da burguesia teve um impacto elétrico, neurótico, em mim, e daquele momento em diante tudo me pareceu uma traição. Do meu corpo em primeiro lugar: eu tinha melhorado, me nutri bem, então por que meu chefe me disse que eu comia como uma pobre?
Num longo artigo publicado na revista Nautilus, intitulado "Why Poverty Is Like a Disease", Christian H. Cooper, um homem de alta finança que hoje ganha mais de setecentos mil dólares por ano, mas que nasceu numa família paupérrima em Rockwood, no Tennessee, diz que emancipou somente graças aos professores e às bolsas de estudo, e conta por que o mito da meritocracia americana é, na verdade, uma fraude, desmistificada pela ciência.
A pobreza não é só uma condição social, é uma doença que afeta o plano biológico. Transmite-se de uma geração a outra pelos genes e outras formas impensadas, e condiciona o corpo num modo que nenhuma futura riqueza pode remediar. Dar a todos as mesmas condições no ponto de partida não é sempre suficiente, porque há uma diferença, oculta dentro de quem participa da corrida, que muitas vezes é ignorada. Na verdade, é a metáfora da corrida que cria um problema, é um clichê difícil de abandonar: ter crescido na pobreza não significa necessariamente ter vontade de chegar a algum lugar, ou chegar aonde todos pensam que você queira ir. Pode significar ficar parada no mesmo lugar, se é um lugar acolhedor, desejado e que garante todos os recursos necessários. Pode significar ter fome, mas não fome de sucesso, no mundo em que isso é entendido dessa forma pela maior parte das pessoas. A própria ideia de "fome" e "sucesso" na mesma frase tem algo de farsa, de século passado. Lá, à espera, perto da partida, uma garota pode decidir ir embora para os bosques. Sua vida pode até ser um lindo desperdício; igualdade significa colocá-la em condições para que se torne uma astronauta, se quiser, mas também dar-lhe a possibilidade de exercitar o ócio de quem ainda não sabe bem o que quer fazer, e escrever artigos enquanto isso, sem uma casa deixada em herança pelos avós. Igualdade significa que os filhos dos operários não se tornem apenas médicos e advogados, mas também escritores subempregados e pintores à espera de descobrir se têm talento.
Há com frequência, no pobre que se emancipa de sua condição social, uma mentalidade de autosabotagem que se manifesta em forma de saudade.
Minha mãe sente orgulho, mas também rancor pela melhoria da minha condição social: quando eu trabalhava num escritório, ela suspirava sempre: "Bendita você que pode", me deixando aflita com sua resignação e lembrando os belos tempos em que era funcionária da Agip Petróleo; quando pedi demissão, ignorou meu mal-estar para me dizer que eu era uma decepção e um insulto à emancipação da mulher: "E o que você vai ser, uma manteúda?"
Eu reagia começando a desenvolver uma relação catastrófica com o dinheiro: assim que chegava, eu fazia de tudo para não vê-lo, não gerenciá-lo ou acumulá-lo. Não queria ter saudade de não ser mais como ela, acabada e também lamentosa. Mas eu tinha.
A pobreza é uma mancha nas células, um borrão no DNA. Nada se realinha, após uma adolescência passada na necessidade. Não se aprende a comer de um jeito diferente, mas como morta de fome. Toda vez que preciso deixar algo em meu prato porque o fizeram também os outros ou porque não tenho fome, se instaura em mim um desgosto: provoco em mim mesma uma violência e preciso contar até dez, senão não consigo.
(...)
Mas o que é a pobreza senão a impossibilidade de cometer erros com o dinheiro e dar à própria desordem o nome de excentricidade?
(...) Isso porque do pobre se espera não só que faça a revolução, como se tivesse tempo livre, em vez de dedicar toda a sua energia nervosa para entender como obter algo a mais, com todos os meios possíveis, mas que tenha também uma boa educação e se comporte bem" - (pp.220-223).
(In. A estrangeira. Cláudia Durastanti. São Paulo: Todavia, 2021)