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terça-feira, 23 de março de 2021

As inseparáveis - Simone de Beauvoir

 

"Meus pais falavam comigo e eu falava com eles, mas não conversávamos; com Andrée eu tinha verdadeiras conversas, como papai tinha com mamãe à noite. Ela havia lido muitos livros durante a longa convalescença e me causou espanto, porque parecia acreditar que as histórias neles contadas haviam realmente acontecido: detestava Horácio e Polieuto, admirava Dom Quixote e Cyrano de Bergerac, como se tivessem existido em carne e osso. Em relação aos séculos passados também tinha opiniões categóricas. Gostava dos gregos, os romanos a aborreciam; insensível às desventuras de Luís XVII e família, comovia-se com a morte de Napoleão.
Muitas dessas opiniões eram subversivas, mas em vista de sua pouca idade, a escola as perdoava: "Essa menina tem personalidade", dizia-se no colégio (...). Tocava tão bem piano que logo foi colocada na categoria das alunas médias; também começava a ter aulas de violino. Não gostava de costurar, mas tinha jeito; fazia com competência balas de caramelo, biscoitos amanteigados, trufas de chocolate; apesar de franzina, sabia fazer pituetas, espacate e todo tipo de cambalhota. Mas o que aumentava seu prestígio a meus olhos eram certas características singulares cujo sentido nunca conheci: quando via um pêssego ou uma orquídea, ou se simplesmente alguém pronunciasse esses nomes diante dela, Andrée estremecia, seus braços se arrepiavam; então ela manifestava da maneira mais perturbadora o dom que recebera do céu e que me maravilhava: a personalidade. Em segredo, eu me dizia que Andrée era sem dúvida uma dessas crianças-prodígio cuja vida é contada depois em livros".

(In. As inseparáveis. Rio de Janeiro: Record, 2021, pp. 25-26).

Simone de Beauvoir & sua inseparável Zaza

Mais sobre o livro:
https://revistacult.uol.com.br/home/as-inseparaveis-simone-de-beauvoir/





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