Cássia Eller veio ao mundo na tarde quente e abafada de 10 de dezembro de 1962. Os termômetros do Rio de Janeiro marcavam 32 graus, mas a falta de vento tornava a sensação de calor ainda mais sufocante. A cidade fervia como panela de pressão quando Nanci, sentindo contrações, alertou o marido que havia chegado a hora.
(...) A primeira dos cinco filhos do casal veio ao mundo 367 dias depois de uma concorrida cerimônia de casamento realizada em Belo Horizonte. Foram três horas de missa totalmente rezada em latim. Se alguém entendeu tudo o que o padre disse, não se sabe ao certo. mas quem presenciou o evento comenta que foi um belo espetáculo. O dia 8 de dezembro de 1961 sacramentou a união de Nanci Ribeiro, então com dezoito anos, com o oficial pára-quedista do Exército, Altair Eller, então com 26.
(...) Cássia era uma criança muito esperta e ativa. Com menos de um ano, já pronunciava as primeiras palavras e não mais usava fralda. Nanci aproveitou que a menina jamais fazia xixi à noite para educá-la, assim que passou a ter firmeza suficiente para se sentar, a usar o "troninho".
(...) Não deu nenhum trabalho no campo de cuidados pessoais enquanto bebê. Em compensação, não deixou barato no quesito comportamento. "Uma capeta", é como costumavam se referir a ela a mãe e a irmã mais nova. Seu lado sapeca deu as caras logo nos primeiros meses de vida. Incomodada pela presença dos enfeites, exterminou um a um os adornos das roupas que a mãe colocava nela. Mesmo muito pequena, ainda sem coordenação motora suficiente, arrancava todos os lacinhos dos vestidos. Nenhum ornamento resistiu. Ali já se manifestava a total falta de vaidade que ela carregou pela vida afora.
(...) Com o mesmo vigor que aterrorizava as irmãs, Cássia as protegia de qualquer um que mexesse com elas - da infância à idade adulta.
(...) Ela podia ser arteira, mas sempre assumiu tudo o que fez. Se aprontava alguma e os mais velhos perguntavam quem era a dona da arte, ela nem pestanejava. Assumia na hora, conta a avó Geralda, figura por quem Cássia tinha verdadeira adoração.
(...) Junto com uma incorrigível timidez diante de estranhos, o jeito alegre, debochado e brincalhão de Cássia perante amigos e parentes sempre foi seu traço de personalidade mais marcante. Era uma moleca: avessa às responsabilidades, só se sentia bem brincando. Amada pelas crianças, brincava com elas de igual para igual mesmo depois de adulta, como se tivesse a mesma idade. E espiritualmente, tinha mesmo. Foi sempre uma garotinha.
Com a companheira, Eugênia, e o filho, "Chicão" |
As brincadeiras favoritas da infância eram futebol, brincar de carrinho de rolemã e jogar bolinha de gude. Agarrada ao pai, sempre que podia ia ao quartel. Ninguém se lembra de tê-la visto, nem uma vez sequer, brincando com as várias bonecas que ganhou quando era pequena. Um tratamento de saúde que fragilizava os ossos, um jeito ligeiramente estabanado e o tipo de diversão que tinha renderam a ela uma pequena coleção de contusões e fraturas ao longo da infância, a ponto de ser motivo de comemoração, junto da mãe, quando ficava três meses sem ter de botar uma faixa ou gesso.
Sua verdadeira paixão eram os instrumentos musicais de plástico da marca Hering (...). Cássia teve vários. Era capaz de passar o dia todo com eles. Mas, como criança, não conseguia mantê-los inteiros. Cansada de ver tudo destruído, Nanci decidiu jogar os instrumentos fora e parar de comprá-los.
Cássia com Chicão |
A pequena improvisou: criou uma bateria e um banjo com latas de marmelada, linha de pesca e caixinhas de uva. O coração da mãe não resistiu à cena, e os Herings voltaram.
No aniversário de onze anos, ganhou o primeiro instrumento de verdade, uma marimba, dada pela tia Fifi, irmã de Nanci. ASprendeu a tocar as primeiras notas acompanhando as cifras das músicas que vinham com o instrumento. O passo seguinte foi tirar, de ouvido, as canções que ouvia nos discos da mãe: Altemar Dutra, Roberto Carlos, Dolores Duran, Elizete Cardoso, Dalva de Oliveira. Mais tarde, já na vida adulta, Cássia divertiria os amigos cantando - com direito a hilárias performances - os sucessos na que a embalaram na infância e na adolescência. Se a música e o cantor fossem bregas, melhor ainda.
(In: A história de Cássia Eller. Apenas uma garotinha. São Paulo: Planeta, 2005, p.49-65).
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