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terça-feira, 2 de abril de 2013

Arte e Filosofia - Alain Badiou - (III)

 
Mas, ao mesmo tempo em que é potência, toda verdade é uma impotência. Pois aquilo sobre o que ela tem jurisdição não poderia ser uma totalidade.
Verdade e totalidade serem incompatíveis é, decerto, o ensinamento decisivo - ou pós-hegeliano - da modernidade.
Jacques Lacan exprime essa idéia em seu aforismo famoso: a verdade não pode se dizer "por inteiro", só pode se meio-dizer. Mallarmé, por sua vez, criticava os parnasianos, que, como dizia, "tomam a coisa por inteiro e mostram-na". Por aí, acrescentava, "perdem o mistério".
Como quer que seja que uma verdade seja verdade, não se poderia pretender que ela a investisse "por inteiro", que fosse sua mostração integral. O poder de revelação de um poema enreda-se em torno de um enigma, de modo que a verificação desse enigma faça todo o real de impotência da potência do verdadeiro. Nesse sentido, o "mistério nas letras" é um verdadeiro imperativo. Quando Mallarmé sustenta que "sempre deve haver enigma em poesia", funda uma ética do mistério que é o respeito, pelo poder de uma verdade, de seu ponto de impotência.
O mistério é de fato que toda verdade poética deixe em seu centro o que ela não tem o poder de fazer vir à tona.
Mais geralmente, uma verdade sempre encontra, em um ponto do que investe, o limite em que se prova que ela é esta verdade singular, e não a consciência de si do Todo.
O fato de que toda verdade é sempre um processo singular, embora ela proceda indefinidamente, é atestado no real por ao menos um ponto de impotência, ou, como diz Mallarmé, "uma rocha, falso solar de imediato evaporado em brumas que impôs um limite no infinito".
Uma verdade se depara com a rocha de sua própria singularidade, e é apenas aí que se enuncia, como impotência, que uma verdade existe.
Chamemos esse deparar o inominável. O inominável é aquilo cuja nomeação uma verdade não pode forçar. Aquilo cuja transformação em verdade ela não pode antecipar.
Todo regime da verdade baseia-se no real em seu inominável próprio.
 
(In: Pequeno Manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p.38-9).

 
"Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas" - Clarice Lispector


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