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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Eu não possuo o meu corpo - Fernando Pessoa

Eu não possuo o meu corpo - como posso eu possuir
com ele? Eu não possuo a minha alma - como posso
possuir com ela? Não compreendo o meu espírito -
como através dele compreender?
Não possuímos nem o corpo, nem uma verdade - nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras,
sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por
dentro.
Conhece alquém as fronteiras à sua alma, para que
possa dizer - eu sou eu?
Mas eu sei que o que sinto, sinto-o eu.
Quando outrem possui esse corpo, possui nele o
mesmo que eu? Não. Possui outra sensação.
Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que
somos, como sabemos nós o que possuímos?
Se do que comes, dissesses, "eu possuo isto", eu
compreendia-te. Porque sem dúvida o que comes, tu o
inclues em ti, tu o transformas em matéria tua, tu o
sentes entrar em ti e pertencer-te. Mas do que comes
não falas tu de "posse". A que chamas tu possuir?

(In. Fernando Pessoa. Quando fui outro. Rio de Janeiro: Objetiva: 2011, p.51).


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