E nenhuma infância cor-de-rosa
Nem pequeninas sardas, nem ursinhos, nem anéis de cabelo,
Nem tias bondosas, nem tios aterradores, nem mesmo
Amigos entre pequenas pedras de rio.
A mim própria desde o próprio início
O sonho de alguém parecia ou o delírio
Ou o reflexo em expelho alheio,
Sem nome, sem carne, sem razão.
Já sabia a lista dos crimes
Que devia cometer.
E eis que, andando qual sonâmbula,
Entrei na vida e assustei a vida:
Entrei na vida e assustei a vida:
Diante de mim estendia-se como um prado,
Onde outrora passeava Proserpina,
Diante de mim, sem raízes, sem jeito,
Abriram-se portas inesperadas,
E saíam gentes e gritavam:
"Ela chegou, ela por si própria chegou!"
Mas eu olhava com espanto
E pensava: "Perderam o juízo!"
E quanto mais me elogiavam,
Quanto mais me admiravam,
Mais medo me dava neste mundo viver
E mais me apetecia despertar,
E sabia que pagaria muito caro
Na prisão, no túmulo, no manicômio,
Em qualquer lugar onde devem acordar
Os como eu - mas continuava a tortura da felicidade!"
*
(In. Poemas. Rio de Janeiro: Relógio D´água, 2003, p.85).
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