"As 11:55 da manhã de quarta-feira, 9 de março de 1994, Bukowski morreu. Estava com setenta e três anos.
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A ligação entre \mariana e o pai havia sido extremamente íntima. "Eu sempre soube que, se alguma coisa desse errado, tudo que eu tinha a fazer era pedir ajuda e ele dava um jeito", diz ela. "Mesmo sendo uma pessoa adulta, que tinha se virado por muitos anos, e me virado bem, notei que, além de sentir a falta dele depois que morreu, também sentia falta da segurança que tinha lá no fundo, sabendo que tudo estava sempre BEM, mas que, se não estivesse, podia chama-lo e, de algum modo, ele fatia com que tudo ficasse bem".
Embora Bukowski garantisse ser um solitário, alguém que não precisava ou não queria amigos íntimos, havia uma quantidade de homens e mulheres para quem sua morte foi uma grande perda.
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Os obituários do jornal destacaram a imagem da vida desregrada de Bukowski. Ele era o "bardo do mar", um escritor simples que inexplicavelmente tinha um culto de seguidores. Com exceção de ocasionais boas críticas de seus romances e da atenção dispensadas a Barfly, a mídia de massa sempre o tratara com desprezo.
Contudo, Bukowski é único na literatura americana moderna, inclassificável e muito imitado. Seu estilo simples de prosa e poesia teve origem nas ideias comuns: ele foi influenciado, inicialmente, pela leitura de Hemingway e Fante, mas, como ele mesmo dizia, não se ria muito com Hemingway, então acrescentou humor. O dia a dia foi o tema escolhido por Bukowski, e não aventuras heroicas ou pessoas glamourosas, mas a experiência dos americanos não tão bem-sucedidos, vivendo em apartamentos baratos e tendo trabalhos degradantes. Escreveu de modo convincente sobre esse mundo, embora exagerasse e editasse sua ´própria história de vida. Também falou de relações humanas com sinceridade: a relação entre uma criança e seus pais, entre homens e mulheres.
Em função do seu gosto por escrever e pela bebida, seu desejo de sensacionalizar sua vida e de ser gratuitamente vulgar, Bukowski pôs-se em posição de ser criticado. Também publicou demais, com certeza muita poesia. Mas quando se lê seu trabalho cuidadosamente - os seis romances, as dúzias de contos, o roteiro e os inúmeros livros de poesia - vê-se uma filosofia pessoal descompromissada que é convincente, senão desafiadora: uma rejeição a regras impostas e degradantes, à autoridade e pretensão; uma aceitação do fato de que a vida humana é quase sempre desprezível e que as pessoas são frequentemente cruéis umas com as outras, mas que essa vida também pode ser bonita, sensual e engraçada".
(In. Howard Sounes. Vida e loucuras de um velho safado. São Paulo: Veneta, 2016, p. 325-328).