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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Rol do cotidiano - by me

Fragmentos do dia-a-dia engrossam a minha angústia intrínseca ao estatuto de sujeito condenado pela linguagem...
Estava eu à fila para o almoço, segurando o que um dia fora um gélido bandejão de inox, e que fora substituído por uma bandeja preta com branco prato de louça, por ocasião das festividades de encerramento do ano.
Aguardava os outros se servirem da mistura arroz-feijão, cada qual com a sua idiossincrasia, como diria meu amigo Claiton. Uns erguiam uma pilha alta de arroz em meio ao mar de feijão, à moda de outros homens que um dia ergueram a famosa estátua da ilha de Manhatam; outros forravam seus pratoss com fartas colheradas de arroz e apenas finalizavam com uma quase "pitada" de feijão, bem ao centro, como se estivessem confeitando um bolo com cereja - e quisessem mais fazer do feijão alegoria do que sentir o seu gosto; outros ainda, dispunham arroz e feijão em porções meticulosamente iguais, para que se confrontassem mas não se ultrapassassem - como se quisessem brincar de Deus e pudessem recriar na floresta de seus pratos o encontro do rio Negro e do Solimões.
Depois viria a carne...
A carne, pode-se optar entre duas; em geral, a primeira é uma das grandes "pop stars" do refeitório (bife à parmegiana, frango assado, filé) e a segunda consiste em algo que poucos ousam gostar, tal como bossa-nova (tirinhas de fígado com pimentão, picadinho de carne com abóbora, dentre outras). Poder-se-ia dizer que se trata de uma atividade tão complexa quanto a de sintonizar uma rádio, salvo que aqui você não pode aumentar o volume, pois é a copeira que, com o olhar de uma alemã em Auschewitz, despeja a quantia que bem quer em nossos pratos.
Chegada a minha vez, escolhi fígado com pimentão, pois sou uma pessoa cult, e não saio por aí ouvindo, ou melhor dizendo, comendo..."qualquer-coisa".
Dali fui para a fila do suco, e é nela que se deu o grande evento...
O suco é armazenado em uma máquina, dessas em que encostamos o copo descartável e ela despeja o conteúdo, tal como as máquinas de fast-food...
Fulano cochicha para ciclano:
- Vou logo é encher dois copos, para não ter que levantar pra pegar mais quando o suco acabar!
Beltrano, que atrás deles, ouvia atento, replicou:
- Que boa idéia! Vou fazer isso também!
E o procedimento se espalhou pelo resto da fila, tal como os presentes fossem peças de dominó enfileiradas, e alguém tivesse lançado o dedo.
Diante de tal disparate, fui assaltada por diversas inquietações: mas e o meio ambiente, o plástico que demora não sei quanto tempo para degradar, e todas aquelas veias e artérias congestionadas dos corpos inertes?
Por fim minha consciência ordenou que a alma calasse, sob pena de entregá-la à loucura.
Aquilo era café pequeno, eu que ficasse feliz com as alegrias que o dia ainda me reservava...
Mas naquela tarde um jovem que ocupava o assento preferencial  fingiu dormir quando o metrô parou na estação Paraíso e uma senhora assomou à porta; e um homem não quis correr para alcançar a mulher que, exausta, deixara escorrer o troco da passagem entre os dedos - preferiu ele guardar o dinheiro no bolso, e não o fez sem que brotasse um sorriso no canto de seus lábios.
fotos de Lee Miller

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