Epígrafe
Sou bem nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.
*
Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração, Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,
*
Turbiu, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! - meu coração ardeu:
*
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
*
- Esta pouca cinza fria... (1917, p.25).
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento...de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
*
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa...remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
*
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
*
- Eu faço versos como quem morre. (1912, p.27).
Desesperança
Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo
Como dói um pesar em cada pensamento!
Ah, que penosa lassidão em cada músculo...
*
O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento
Que dá medo...O ar, parado, incomoda, angustia...
Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.
*
Assim deverá ser a natureza um dia,
Quando a vida acabar e, astro acabado, a Terra
Rodar sobre si mesma estéril e vazia.
*
O demônio sutil das nevroses enterra
A sua agulha de aço em meu crânio doído.
Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...
*
Minha respiração se faz como um gemido.
Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,
Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.
*
Por onde alongue o meu olhar de moribundo,
Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:
E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.
*
Vejo nele a feição fria de um desafeto.
Temo a monotonia e apreendo a mudança.
Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...
*
- Ah, como dói viver quando falta a esperança! - (1912, p. 126).
(In. A cinza das horas. São Paulo: Global, 2013).
Obs: "Cinza das horas" é o primeiro livro publicado de Manuel Bandeira. Abaixo a capa da primeira edição de 1917:
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