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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A cinza das horas - Manuel Bandeira

 


Epígrafe

Sou bem nascido. Menino,

Fui, como os demais, feliz.

Depois, veio o mau destino

E fez de mim o que quis.

*

Veio o mau gênio da vida,

Rompeu em meu coração, Levou tudo de vencida,

Rugiu como um furacão,

*

Turbiu, partiu, abateu,

Queimou sem razão nem dó -

Ah, que dor!

Magoado e só,

- Só! - meu coração ardeu:

*

Ardeu em gritos dementes

Na sua paixão sombria...

E dessas horas ardentes

Ficou esta cinza fria.

*

- Esta pouca cinza fria... (1917, p.25).


Desencanto

Eu faço versos como quem chora

De desalento...de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

*

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...

Tristeza esparsa...remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

*

E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.

*

- Eu faço versos como quem morre. (1912, p.27).


Desesperança

Esta manhã tem a tristeza de um crepúsculo

Como dói um pesar em cada pensamento!

Ah, que penosa lassidão em cada músculo...

*

O silêncio é tão largo, é tão longo, é tão lento

Que dá medo...O ar, parado, incomoda, angustia...

Dir-se-ia que anda no ar um mau pressentimento.

*

Assim deverá ser a natureza um dia,

Quando a vida acabar e, astro acabado, a Terra

Rodar sobre si mesma estéril e vazia.

*

O demônio sutil das nevroses enterra

A sua agulha de aço em meu crânio doído.

Ouço a morte chamar-me e esse apelo me aterra...

*

Minha respiração se faz como um gemido.

Já não entendo a vida, e se mais a aprofundo,

Mais a descompreendo e não lhe acho sentido.

*

Por onde alongue o meu olhar de moribundo,

Tudo a meus olhos toma um doloroso aspecto:

E erro assim repelido e estrangeiro no mundo.

*

Vejo nele a feição fria de um desafeto.

Temo a monotonia e apreendo a mudança.

Sinto que a minha vida é sem fim, sem objeto...

*

- Ah, como dói viver quando falta a esperança! - (1912, p. 126).


(In. A cinza das horas. São Paulo: Global, 2013).

Obs:  "Cinza das horas" é o primeiro livro publicado de Manuel Bandeira. Abaixo a capa da primeira edição de 1917:



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