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terça-feira, 20 de julho de 2010

Travessuras de uma menina (trecho) - Clarice Lispector


Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.
Como uma virgem anunciada, sim. Por ele me ter permitido que eu o fizesse enfim sorrir, por isso ele me anunciara. Ele acabara e me transformar em mais do que o rei da Criação. Fizera de mim a mulher do rei da Criação. Pos logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera sem nojo da dor. Para que servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que não doa mais, meu amor (...) Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto (...)
(In: A descoberta do mundo, 1984, 409-10p)

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