"Faz-se um silêncio seguido de um lento
who are you, e eu tento explicar a ela quem acredito ser. Há então um momento de agitação na linha, a convulsão de uma língua que tenta traduzir o que lhe digo e que, pressionada a dizer algo, começa a gritar a única palavra que tem a mão. Aaaaa!
Family!, diz, num grande alvoroço, f
amily! family!, e eu, sem saber mais o que dizer, respondo
yes, yes, e começo a rir porque há estardalhaço e há exagero e há confusão nessa palavra, e há também um enorme vazio de anos de mar e de possível pobreza, mas, a cada
family que ela grita, mais eu rio, dizendo
yes, family, yes, como se tivesse esquecido todas as outras palavras. E nesse tiroteio telefônico não sei se consigo lhe dizer ou se ela terá compreendido que estou prestes a viajar, ou retornar, e que meu desejo é ir vê-las" - (p. 51)
(...)
"Enquanto lava os pratos e panelas e todos os copos sujos do dia, Zima diz ter compreendido com o tempo que sua família não havia traído: permanecer é continuar marcando a presença de uma cidadania palestina que os israelenses tentam negar (...). E que a condição de refugiados para os palestinos, e só para eles, para nós, é hereditária. É importante defender esta herança, não porque todos estejam sofrendo, mas porque foram deslocados por circunstâncias histórica. O que importa é não perder a possibilidade de retorno. Reivindicá-lo" - (pp. 86-87).
(In. Tornar-se Palestina. Lina Meruane. Minas Gerais: Relicário, 2019).
Mais sobre o livro:
https://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/p/retornar-e-preciso
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/tornar-se-palestina/
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