(Na estação Paraíso do metrô/SP).
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segunda-feira, 17 de setembro de 2012
sábado, 15 de setembro de 2012
No café
"A maior coragem é se deixar amar por quem você ama" -
(by Cecilia Carmen Casemiro durante o café da manhã de sexta feira).
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Sobre o 11 de setembro
No momento em que pensamos nos termos: "É verdade, a queda do WTC foi uma tragédia, mas não podemos nos solidarizar inteiramente com as vítimas, pois isso significaria apoiar também o capitalismo americano", já estamos diante da catástrofe ética: a única atitude aceitável é a solidariedade incondicional com todas as vítimas. A atitude ética correta é aqui substituída pela matemática moralizadora da culpa e do horror, que perde de vista um ponto importante: a morte terrível de todo indivíduo é absoluta e incomparável" -
(Slavoj Zizek. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 68).
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
domingo, 9 de setembro de 2012
Nossa aurora virá - David Rudskin
"Cuida da flama, até que possamos despertar novamente, seguros.
A flama está em nossas mãos, a confiamos a ti, este nosso demônio sagrado da ingovernabilidade.
Cuida da flama e descansaremos em paz.
Criança, sê estranha, obscura, verdadeira, impura e dissonante.
Cuida da nossa flama".
A flama está em nossas mãos, a confiamos a ti, este nosso demônio sagrado da ingovernabilidade.
Cuida da flama e descansaremos em paz.
Criança, sê estranha, obscura, verdadeira, impura e dissonante.
Cuida da nossa flama".
sábado, 8 de setembro de 2012
Perfect sense - filme (trecho)
"Aceitação.
Perdão.
Amor.
Está escuro agora, mas sentem a respiração um do outro e sabem tudo que precisam saber.
Eles se beijam.
E sentem as lágrimas do outro em suas bochechas.
E se houvesse restado alguém para vê-los, teriam parecido simples amantes acariciando os rostos um do outro.
Corpos colados.
Olhos fechados.
Insconscientes do mundo ao redor.
Porque é assim que a vida passa.
Assim".
Trailer disponível no youtube:
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
A origem do drama trágico alemão - Walter Benjamin
"O valor dos fragmentos de pensamento é tanto mais decisivo quanto menos imediata é a sua relação com a concepção de fundo, e desse valor depende o fulgor da representação, na mesma medida em que o do mosaico depende da qualidade da pasta de vidro"- (p.17).
*
"...o ser humano é belo para aquele que ama, e não em si. E a explicação está no fato de o seu corpo se representar numa ordem superior à do belo. O mesmo se passa com a verdade: ela não é bela em si, mas para aquele que a busca. Poderá haver nisto uma pontinha de relativismo, mas nem por isso a beleza que deve ser inerente à verdade se torna um epíteto metafórico. Pelo contrário, a essência da verdade como essência do reino das ideias que se representa garante que o discurso sobre a beleza da verdade jamais poderá ser afetado. De fato, aquele momento de representação é por excelência o refúgio da beleza. O belo permanece na esfera da aparência, palpável, enquanto se reconhecer abertamente como tal. Manifestando-se como aparência, e seduzindo enquanto não quiser ser mais do que isso mesmo, atrai a perseguição do entendimento e torna reconhecível a sua inocência apenas no momento em que se refugia no altar da verdade. Eros segue-o nesta sua fuga, não como perseguidor, mas como amante; e de tal modo que a beleza, para se manter aparência, foge sempre dos dois, do entendimento por temor e do amante por angústia. E só este pode testemunhar que a verdade não é desvelamento que destrói o mistério, mas antes uma revelação que lhe faz justiça" - (p.19)
*
"A verdade nunca se manifesta em relação, e muito menos numa relação intencional. O objeto de conhecimento determinado pela intencionalidade do conceito não é a verdade. A verdade é um ser inintencional (...). O procedimento que lhe é adequado não será, assim, de ordem intencional cognitiva, mas passa, sim, pela imersão e pelo desaparecimento nela. A verdade é a morte da intenção"- (Walter Benjamin. A origem do drama trágico alemão. São Paulo: Autêntica, 2011, p.24)
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Lá na Palestina
"Nos han robado la tierra y la seguridad. Nos han puesto en campos de angustia y de prohibición. Nos han ametrallado en todos los sitios. Nos han prohibido los derechos humanos. Nos han querido torturar y rendirnos. Y han ignorado que somos siempre como un volcán Y resurgirán de nosotros hombres, donde no los haya" -
(tradução da incrição em um muro na Palestina).
Mais Zizek
"Quando a eternidade intervém no tempo, este se imobiliza" - ( p. 22).
*
"É necessário então aceitar o paradoxo de que, para realmente esquecer um acontecimento, precisamos orimeiramente criar força para lembrá-lo. Para responder a este paradoxo, devemos ter em mente que o contrário de existência não é inexistência, mas insistência: o que não existe continua e insistir, lutando para passar a insistir - (p. 37).
*
terça-feira, 4 de setembro de 2012
A tinta que falta - Slavoj Zizek
"Numa antiga anedota que circulava na hoje falecida República Democrática Alemã, um operário alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda correspondência será lida pelos censores, ele combina com os amigos: "Vamos combinar um código: se um carta estiver escrita em tinta azul, o que ela diz é verdade; se estiver escrita em tinta vermelha, tudo é mentira". Um mês depois, os amigos recebem uma carta escrita em tinta azul: "Tudo aqui é maravilhoso: as lojas vivem cheias, a comida é abundante, os apartamentos são grandes e bem aquecidos, os cinemas exibem filmes do Ocidente, há muitas garotas, sempre prontas para um programa - o único senão é que não se consegue encontrar tinta vermelha". Neste caso, a estrutura é mais refinada do que indicam as aparências: apesar de não ter como usar o código combinado para indicar que tudo o que está dito é mentira, mesmo assim ele consegue passar a mensagem; como? Pela introdução da referência ao código, como um de seus elementos, na própria mensagem codificada. Evidentemente, este é o problema padrão da autoreferência: como a carta foi escrita em tinta azul, todo o seu conteúdo não teria de ser verdadeiro? A resposta é que o fato de a mensagem ter mencionado a inexistência de tinta vermelha indica que ela deveria ter sido escrita em vermelho. O interessante é que esta menção à inexistência de tinta vermelha produz o efeito da verdade independentemente da sua própria verdade literal: ainda que houvesse tinta vermelha, a mentira de ela não existir é a única forma de transmitir a mensagem verdadeira naquela condição específica de censura.
Não é esta a matriz de uma crítica eficaz da ideologia - não somente em condições "totalitárias" de censura, mas, talvez ainda mais, nas condições mais refinadas da censura liberal? Começa-se pela concordância com relação à existência de todas as liberdades desejadas - e então simplesmente se acrescenta que a única coisa em falta é a "tinta vermelha": sentimo-nos livres pela falta de uma língua em que articular nossa não liberdade. Esta falta de tinta vermelha significa que atualmente todos os termos usados para descrever o presente conflito - "guerra contra o terrorismo", "democracia e liberdade", "direitos humanos", etc. - são temros falsos, que mistificam nossa percepção da situação em vez de nos permitir pensála. Neste sentido preciso, nossas "liberdades" servem para mascarar e manter nossa infelicidade mais profunda. Cem anos atrás, ao enfatizar a aceitação de algum dogma fixo como a condição da verdadeira liberdade, Gilbert Keith Chesterton percebeu claramente o potencial antidemocrático do princípio de liberdade de pensamento:
Em termos gerais, podemos afirmar que o livre pensamento é a melhor d etodas as salvaguardas contra a liberdade. Aplicada conforme o estilo moderno, a emancipação da mente do escravo é a melhor forma de evitar a emancipação do escravo. Basta lhe ensinar a se preocupar em saber se quer realmente ser livre, e ele não será capaz de se libertar.
E não seria isso enfaticamente verdadeiro com relação à época pós-moderna, em que existe a liberdade de desconstruir, duvidar, distanciar-se? Não devemos esquecer de que a afirmação de Chesterton é a mesma afirmação feita por Kant em seu "O que é o Iluminismo?": "Pense o quanto quiser, com toda a liberdade que quiser, mas obedeça!". A única diferença é que Chesterton é mais específico, e esclarece o paradoxo implícito oculto no raciocínio de Kant: a liberdade de pensamento não somente não solapa a servidão social real, mas na verdade a sustenta (...)".
(Slavoj Zizek. Bem-vindo ao deserto do real. Boitempo, 2004, p. 15-7).
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Lavoura arcaica - Raduan Nassar (II)
"...a razão é pródiga, qwuerida irmã, corta em qualquer direção, consente qualquer atalho, bastando que sejamos hábeis no manejo dessa lâmina; para vivermos nossa paixão, despojemos nossos olhos de artifúcios, das lentes de aumento e das cores tormentosas de outros vidros..." (p.132).
*
"estou banhado em fel, Ana, mas sei como enfrentar tua rejeição, já carrego no vento do temporal uma raiva perpétua, tenho o fôlego obstinado, tenho requintes de alquimista, sei como alterar o enxofre com a virtude das serpentes, e, na caldeira, sei como dar à fumaça que sobe da borbulha a frieza da cerração das madrugadas; vou cultivar o meu olhar, plantar nele uma semente que não germina, será uma terra que não fecunda, um chão caapaz de necrosar como as geadas as folhas das árvores...." - (p.137).
"...e quanto mais engrossam a casca, mais se torturam com o peso da carapaça, pensam que estão em segurança mas se consomem de medo, escondem-se dos outros sem saber que atrofiam os próprios olhos, fazem-se prisioneiros de si mesmos e nem sequer suspeitam, trazem na mão a chave mas se esquecem que ela abre, e, obsessivos, afligem-se com seus problemas pessoais sem chegar à cura..." -(p.145).
"- Eu também tenho uma história, pai, é também a história de um faminto, que mourejava de sol a sol sem nunca conseguir aplacar sua fome, e que de tanto se contorcer acabou por dobrar o corpo sobre si mesmo alcançando com os dentes as pontas dos próprios pés; sobrevivendo à custa de tantas chagas, ele só podia odiar o mundo (...).
- É muito estranho o que estou ouvindo.
- Estranho é o mundo, pai, que só se une se desunindo; erguida sobre acidentes, não há ordem que se sustente; não há nada mais espúrio do que o mérito, e não fui eu que semeei esta semente" - (p. 157-163).
*
"-Corrija a displicência dos teus modos de ver: é forte quem enfrenta a realidade; e depois, estamos em família, que só um insano tomaria por ambiente hostil.
-Forte ou fraco, isso depende: a realidade não é a mesma para todos, e o senhor não ignora, pai, que sempre gora o ovo que não é galado; o tempo é farto e generoso, mas não devolve a vida aos que não nasceram; aos derrotados de partida, ao fruto peco já na semente, aos arruinados sem terem sido erguidos, não resta outra alternativa: dar as costas para o mundo, ou alimentar a expectativa da destruição de tudo;de minha parte, a única coisa que sei é que todo meio é hostil, desde que negue direito à vida"- (p.164-5).
*
"- O amor que aprendemos aqui, pai, só muito tarde fui descobrir que ele não sabe o que quer; essa indecisão fez dele um valor ambíguo, não passando hoje de uma pedra de tropeço; ao contrário do que se supõe, o amor nem sempre aproxima, o amor também desune; e não seria nenhum disparate eu concluir que o amor na família pode não ter a grandeza que se imagina" - (p.166).
"Meu pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo seu espírito e aprimorando sua sensibilidade; ele dava a entender que quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função mais nobre; ele parecia acreditar que a resistência de um homem era inesgotável. Do meu lado, aprendi bem cedo que é difícil determinar onde acaba nossa resistência, e também muito cedo aprendi a ver nela o traço mais forte do homem; mas eu achava que, se da corda de um alaúde - esticada até o limite - se podia tirar uma nota afinadíssima (supondo-se que não fosse mais que um arranhado melancólico e estridente) ninguém contudo conseguiria extrair nota alguma se a mesma fosse distendida até o rompimento" - (p.171-2).
(In. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007).
Lavoura arcaica - Raduan Nassar (I)
"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violácio, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo..." - (p.7).
"...meu irmão chorava a minha demência, discretamente, longe de suspeitar que percebido assim eu acabava de receber mais uma graça: liberado na loucura, eu que só estava a meio caminho da lúcida escuridão; eu quis dizer para ele "tempere nesta mão a viz potente, a ternura contida, a palavra certa, corra com ela meus cabelos, afague-os, proteja minha nuca..." - (p. 73-4).
"Como podia o homem que tem o pão na mesa, o sal para salgar, a carne e o vinho, contar a história de um faminto?" - (p.84).
*
"...quantas mulheres, quantos varões, quantos ancestrais, quanta peste acumulada, que caldo mais grosso neste fruto da família! eu tinha simplesmente forjado o punho, erguido a mão e decretado a hora: a impaciência também tem os seus direitos!" - (p.88).
"...nenhum espaço existe se não for fecundado, como quem entra na mata virgem e se aloja no seu interior, como quem penetra num círculo de pessoas em vez de circundá-lo timidamente de longe..." - (p. 87).
*
"...que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? o limite em que as coisas já desprovidas de vibração deixam de ser simplesmente vida na corrente do dia-a-dia para ser vida nos subterrâneos da memória..." - (p.97).
"Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome, explodi de repente num momento alto, expelindo num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos" gritei de minha boca escancarada, expondo a textura da minha língua exuberante..." - (p. 107).
"...eu tinha de gritar em furor que a minha loucura era mais sábia que a sabedoria do pai, que a minha enfermidade era mais conforme que a saúde da família, que os meus remédios não foram jamais inscritos nos compêndios, mas que existia uma outra medicina (a minha!) e que fora de mim eu não conhecia qualquer ciência, e que era tudo só uma questão de perspectiva..." (p.109).
"...eu não sabia que o amor requer vigília: não há paz que não tenha um fim, supremo bem, um termo, nem taça que não tenha um fundo de veneno; era a minha sabedoria corrente, mas que frivolidade a minha, alguém mais forte do que eu é que puxava a linha e, menino esperto e sagaz, eu tinha caído na propalada armadilha do destino: enfiou seus longos braços no fruto do meu saco, pinçou nos finos dedos o fundo, e súbito, num fechar d´olhos, virou meu doce mundo pelo avesso" - (p. 114).
*
"...desde menino, eu não era mais que uma sombra feita à margem do destino, também eu complicava os momentos de um trajeto: construía uma trilha sinuosa com grãos de milho até a peneira, embora a linha que decidisse, escondida sob a areia, corresse esticada numa só reta; por que então esses caprichos, tantas cenas, empanturrar-nos de expectativas, se já estava decidida a minha sina?" - (p.117).
(In. Lavoura Arcaica. Raduan Nassar. São Paulo: Companhia das Letras, 2007).
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Carta de Karl Marx para Jenny
"Meu coração bem-amado:
Escrevo-te, porque estou só e me perturba sempre dialogar contigo na minha cabeça sem que o saibas e me possas responder.
Por má que seja a tua fotografia, presta-me esse serviço e compreendo agora como as efígies da mãe de Deus mais odiosas, as virgens negras, podem encontrar admiradores incansáveis. Nenhuma dessas imagens foi jamais tão beijada, olhada e venerada que a tua foto, que não reflecte de modo algum a tua querida, terna e adorável dolce figura. Mas os meus olhos, por ofuscados que estejam pela luz e tabaco, ainda a podem reproduzir não só em sonhos, mas também acordados.
Escrevo-te, porque estou só e me perturba sempre dialogar contigo na minha cabeça sem que o saibas e me possas responder.
Por má que seja a tua fotografia, presta-me esse serviço e compreendo agora como as efígies da mãe de Deus mais odiosas, as virgens negras, podem encontrar admiradores incansáveis. Nenhuma dessas imagens foi jamais tão beijada, olhada e venerada que a tua foto, que não reflecte de modo algum a tua querida, terna e adorável dolce figura. Mas os meus olhos, por ofuscados que estejam pela luz e tabaco, ainda a podem reproduzir não só em sonhos, mas também acordados.
Tenho-te, deslumbrante, diante de mim. Toco-te e beijo-te, da cabeça aos pés. Caio de joelhos na tua frente e gemo: "I love you, minha senhora... Amo-a de verdade muito mais que o Mouro de Veneza jamais amou..."
O meu amor por ti, assim que te afastas apresenta-se-me pelo que é: um gigante que absorve toda a energia do meu espírito, toda a substância do meu coração. Sinto-me de novo um homem, porque tenho uma grande paixão..."-
O meu amor por ti, assim que te afastas apresenta-se-me pelo que é: um gigante que absorve toda a energia do meu espírito, toda a substância do meu coração. Sinto-me de novo um homem, porque tenho uma grande paixão..."-
( In: Jenny, a mulher de Karl Marx - Françoise Giroud).
O perfume - Patrick Suskind (IV)
"Que essa massa humana durante dezoito anos o havia oprimido como uma atmosfera prenhe de tempestade, só se tornava claro para Grenoille agora que começava a escapar disso. Até então, acreditava que era do mundo em geral que ele precisava escapar. Não era, porém, do mundo, mas das pessoas. Parecia que num mundo vazio de gente até dava para viver (p. 104).
"E ele fugia avante, reagindo cada vez mais sensivelmente ao cheiro do homem, que se tornava cada vez mais raro. Assim, o nariz conduziu-o para regiões cada vez mais remotas do país. afastando-o cada vez mais dos seres humanos e empurrando-o com ímpeto cada vez maior na direção do pólo magnético da maior solidão possível (p. 106).
"Sabe-se de homens que procuram a solidão: penitentes, fracassados, santos ou profetas. Retiram-se preferencialmente para desertos, onde vivem de gafanhotos e mel silvestre. Algumns vivem também em cavernas, claustros ou em ilhas remotas, ou se enfiam - algo mais espetacular - em gaiolas penduradas em varas, no ar. Fazem isso para estar mais perto de Deus. Mortificam-se com a solidão e através dela se penitenciam. Agem na crença de levarem uma vida que agrade a Deus. Ou ficam esperando durante meses ou até anos para que, na solidão, lhes advenha uma mensagem divina que, depois, querem divulgar o quanto antes entre os homens.
Nada disso adequava-se a Grenoille. Não tinha em mente nada parecido com "Deus". Não se penitenciava nem esperava qualquer inspiração do alto. Só para a sua própria e única diversão é que se retraía, só para estar mais perto de si mesmo. Banhava-se em sua própria existência, não desviado por nada mais, e achava isso maravilhoso. Jazia na gruta de rochedos como o seu próprio cadáver, como o cadáver de si mesmo. mal respirando, o coração mal batendo - e, no entanto, vivia tão intensa e desvairadamente como nenhum farrista jamais viveu no mundo" (p. 109-110).
"Quase não saía. Da vida corporativa, dos encontros regulares dos companheiros e dos desfiles dos artesãos, ele participava com frequencia suficiente para que nem ausência nem presença chamassem atenção. Não tinha amigos nem conhecidos, mas tomava muito cuidado no sentido de não ser considerado arrogante nem marginal. Deixava que os outros oficiais considerassem a sua companhia aborrecida e pouco interessante. Era mestre na arte de gerar monotonia e de parecer desajeitado - mas não exagerando a ponto de ficarem gozando à sua custa ou de virem a usá-lo como vítima das pesadas brincadeiras da corporação. Deixavam-no em paz, e ele não queria outra coisa" - (p.158).
"A fragrância das pessoas em si era, para ele, indiferente. Tratava-se de uma fragrância que ele podia imitar suficientemente bem com substitutivos. O que ambicionava era a fragrância de certas pessoas: daquelas, extremamente raras, que inspiram amor. Essas eram as suas vítimas" (p.164).
"O que ele sempre havia desejado, ou seja, que as outras pessoas o amassem, tornava-se, no instante do seu êxito, insuportável, pois ele mesmo não as amava, mas as opdiavas. E de repente soube que jamais encontraria satisfação no amor, mas tão somente no ódio, no odiar e no ser odiado.
Mas o ódio que sentia pelas pessoas permaneceu sem eco. Quanto mais ele as odiava nesse momento, tanto mais elas o adoravam, pois nada percebiam dele senão a sua aura, a sua máscara odorífera, o seu perfume roubado, e este era, de fato, divinamente bom.
Agora ele teria preferido eliminá-las da face da terra, essas pessoas estúpidas, fedorentas, erotizadas, exatamente como outrora, no país da sua alma negra como carvão, eliminara os cheiros estranhos. E desejava que notassem o quanto ele as odiava e que por isso, por causa desse único sentimento real, elas odiassem de volta e, por sua vez, liquidassem com ele, como afinal, originalmente prtendiam. Uma vez na vida ele gostaria de se externar (...). Uma vez, uma única vez, queria ser considerado em sua verdadeira existência e receber de outra pessoa uma resposta ao seu único sentimento verdadeiro, o ódio" (p.205-6).
"Tinha poder para tanto. Um poder que era mais forte que o poder do dinheiro, do terror ou da morte: o insuperável poder de fazer as pessoas amarem. Só uma coisa esse poder não podia: não podia fazer com que ele mesmo cheirasse para si próprio. E ainda que chegase a aparecer diante do mundo, através do perfume, como um Deus - se ele não podia cheirar a si mesmo e, por isso, jamais saberia quem ele era, - nada disso importava, não importava o mundo, ele própriom o seu perfume" - (p.216).
(In: Perfume - História de um assassino. Rio de Janeiro: Record, 1985).
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