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domingo, 29 de agosto de 2010

Soneto XVI - Shakespeare

Quando vejo que tudo quanto cresce
Só é perfeito por um breve instante
E que o palco dos homens se oferece
Aos desígnios dos astros mais distantes

Quando ao céu que ora aplaude
Ora castiga, homem e planta em pleno crescimento
Vêem findar-se a seiva e ainda nova glória
Que tinham cai no esquecimento

A luz de tão instável permanência
Aos meus olhos mais moças te anuncias
Embora juntos tempo e decadência
Queiram transformar-te em noite o claro dia

Então por teu amor o tempo enfrento
E o quanto ele te rouba eu te acrescento.




domingo, 22 de agosto de 2010

A Psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?

Entrevista com Jacques Alain-Miller para Hannah Waar, da Revista Psichologies Magazine em outubro de 2008.

Cléopatra & Marco Antônio

 
Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar.
P.: Então, o que é amar verdadeiramente?
J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão "Quem sou eu?".
P.: Por que alguns sabem amar e outros não?
J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers - se posso dizer - homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.
Gala & Dali

P.: "Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso...
J-A Miller: Acertou! "Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem". O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua "castração", como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem. Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.

Frida Kahlo & Diego

P.: Amar seria mais difícil para os homens?
J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a "degradação da vida amorosa" no homem: a cisão do amor e do desejo sexual.

Oona & Chaplin

P.: E nas mulheres?
J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem...
Jacqueline & Picasso

P.: Por que "cada vez mais"?
J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman (1). Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.
Sylvia Plath e Ted

P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?
J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.
P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela?
J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher!
Hilda Furacão

P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras?
J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina.
P.: O senhor atribui algum papel às fantasias?
J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.
P.: E a fantasia masculina?
J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe (2), a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.
P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes!
J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos.

Lou Andreas Salomé & Nietzsche

P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade?
J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante” (3). Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles.

P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas...
J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.
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Scarlet & Rhett

(1) Zygmunt Bauman, L’amour liquide, de la fragilité des liens entre les hommes (Hachette Littératures, « Pluriel », 2008)
(2) Les souffrances du jeune Werther de Goethe (LGF, « le livre de poche », 2008).
(3) Honoré de Balzac in La comédie humaine, vol. VI, « Études de mœurs : scènes de la vie parisienne » (Gallimard, 1978).
Tradução de Maria do Carmo Dias Batista.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Onde estará o meu amor - Maria Betânia

 Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você...
Onde estará o meu amor?

Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim
Onde estará o meu amor?

Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...

Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer

Onde estará o meu amor?


domingo, 15 de agosto de 2010

Poema de Hilda Hilst & desenhos de Viviane Couto


Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.


domingo, 8 de agosto de 2010

Tu es me came - Carla Bruni

Para treinar o Francês, que comecei a estudar sábado, uma música da primeira dama mais elegante da contemporaneidade...e fotos do belo casal...(pode ser faz de conta, mas que é bonito de se ver, isso é...)

Você é meu vício

Meu produto tóxico, minha volúpia suprema
Meu encontro preferido e meu abismo
Você floresce até o mais doce da minha alma
Você é meu vício
És o meu tipo de delícia, de programa
Eu te aspiro, eu te expiro e desmaio
Eu te espero como se espera o maná
Você é meu vício
Gosto dos teus olhos, dos teus cabelos, do teu aroma
Venha então que eu te provo que te fumo
Você é o meu belo amor, o meu anagrama
Você é meu vício
Mais mortal que a heroína afegã
Mais perigoso que a cocaína colombiana
Você é a minha solução, o meu doce problema
Você é meu vício
A você todos os meus suspiros os meus poemas
Para você todas as minhas orações sob a lua
A você a minha desgraça e a minha fortuna
Você é meu vício
Quando vai embora é o inferno e as suas chamas
Toda minha vida toda minha pele te reclamam
Diria-se que você escorre nas minhas veias
Você é meu vício
Sinto-me renascida sob o seu feitiço
Eu te quero que até vendo a alma
Aos teus pés eu jogo as minhas armas
Você é meu vício.
Você é meu vício.

Loucas Horas - Guilherme Arantes

Uma musiquinha brega em homenagem a alguém que vou amar pra sempre...


Lembro de você
Do seu cabelo ao vento
(...)
Na nossa canção
Nada cansava
Já não sei viver
Nesse clima de suspense
Quando vou te ver ?
E por quantas horas?

 Te quero
O mundo
Fica perfeito contigo
Nas poucas
As loucas horas com você
(...)
Lembro de você
Quando estou longe de casa
Rôo as unhas todas
E ando de lá pra cá
De lá pra cá e nada de te achar
Fico sem dormir, quero sumir
Morro de frio



segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Medos - Marilena Chauí (trechos) II

"Tudo quanto é belo é tão difícil quanto raro" - Espinosa

Somente quando os limites impostos ao corpo forem sentidos com afetos de tristeza e sua expansão for sentida com afetos de alegria, somente quando a ignorância for experimentada como tristeza e pensar como alegria ou "virtude própria da mente", o combate entre as paixões mudará de curso e das paixões alegres passaremos às ações.
A verdade inicia-se, em nós, como desejo do verdadeiro e, porque nasce no interior dos afetos, Espinosa chamará a forma mais alta do conhecimento de amor intelectual. Reconciliação de nossa alma consigo mesma e com nosso corpo, dele consigo mesmo e com nossa alma e de ambos com a Natureza e a sociedade livre.
Esse amor, que Espinosa chama de liberdade e felicidade, fazendo-nos, seres finitos, participantes do infinito, o filósofo denomina: glória.

(In: Os sentidos da paixão, Org. Adauto Novaes, 2009, 79-82p)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Medo - Marilena Chauí ( trechos)

Uma paixão é mais forte do que outra quando aumenta a capacidade de existir de nosso corpo e de nossa alma.


A liberdade nasce desse e nesse movimento de passagem das paixões tristes às alegres e das paixões de alegria às ações suscitadas pelo desejo e pela alegria. Passagem da heteronomia à autonomia, a perfeição ou realidade é o fortalecimento da força do corpo (imaginar sem tristeza) e da alma (pensar sem tristeza), à medida que nosso corpo torna-se capaz de múltiplas afecções simultâneas e nossa alma capaz de múltiplas idéias simultâneas, conhecendo a necessidade interna que as articula. Capacidade para o múltiplo simultâneo, a liberdade é força para coexistirmos com os demais seres humanos e com a Natureza, sem sermos por eles subjugados e sem precisarmos subjugá-los para viver. (...)

A liberdade, força para o plural simultâneo, é presença a si e aos outros sem o medo da morte recíproca.

(In: Os sentidos da Paixão, Org. Adauto Novaes, 2009, 58p)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A arte

Filme "Sabrina", 1954.

“Através da arte, do pensamento e da paixão podem-se pensar idéia e corpo não como uma relação de comando e obediência, mas como expressão recíproca e autônoma”
Adauto Novaes

O conceito de paixão (trechos)

Gérard Lebrun
Cartier-Bresson na cidade luz

“Domínio das paixões, e não enfraquecimento ou extirpação das paixões. Quanto maior é a força do querer, tanto mais liberdade damos às paixões” – Nietzsche

Cartier-Bresson na Romênia

“Destruir as paixões e os desejos, só por causa de sua tolice e para evitar suas conseqüências desagradáveis, parece-me uma manifestação aguda de tolice. Não admiramos mais os dentistas que extraem os dentes para evitar que incomodem mais” – Nietzsche


Robert Doisneau
Uma vez que as paixões não são nem mórbidas nem demoníacas, sou ainda mais responsável pelo mau uso que delas possa fazer.
Resta que eu possa ter sido vítima de uma infância infeliz (...). Talvez. (...) em compensação (...) na vida há sempre um momento em que cabe a mim não contrair maus hábitos.
(...) Ora, não é verdade que a paixão possa me obrigar, propriamente falando, no sentido em que um lutador mais robusto force seu adversário a curvar-se perante ele.
Como distintivo de minha passividade, não é, porém, uma justificativa. Também não é verdade que ela me torna ignorante daquilo que faço, pois não podemos brincar com a palavra ignorância. Édipo, sem dúvida, ignorava que o viajante que feria fosse seu pai, motivo pelo qual seu parricídio pode ser considerado “involuntário”. Mas aquele que age sob o impulso da cólera ou da luxúria é como um homem que comete um crime em estado de embriaguez: cabe-lhe moderar sua paixão, como cabe ao bêbado não se embriagar.

(...) Se a paixão é um componente de minha natureza e de minha saúde é porque (...) ela é dominável.

“Todo homem com saúde é um doente que se ignora” – Jules Romains

“Nada de grande se fez sem paixão” – Hegel

Cartier-Bresson

(In: Os sentidos da paixão. Org. Adauto Novaes. Companhia de Bolso, 2009)

domingo, 25 de julho de 2010

O curioso caso de Benjamin Button

"A vida não é feita de minutos, mas de momentos"


A armadilha do tempo
Adaptação de conto da década de 20 enfoca o inexorável: a impossibilidade de escapar da castração da finitude
por Erane Paladino
 
O Curioso Caso de Benjamin Button - 166 minutos – Estados Unidos, 2008 - Direção: David Fincher- Com: Brad Pitt, Cate Blanchett e Julia Ormond
Agosto de 2005. A alguns minutos da chegada do furacão Katrina, uma senhora no leito de morte, em Nova Orleans, Estados Unidos, abre seu diário e seu coração para a filha, num relato que recupera mais de oitenta anos de amor e segredos. Este é o fio condutor da trama apresentada em O curioso caso de Benjamin Button, adaptação do conto de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), lançado na década de 20. Com direção de David Fincher, em 2008, o filme parte da Primeira Guerra Mundial, nos idos de 1918, e chega ao início do século XXI.
Em seu depoimento, Daisy (Cate Blanchett) confessa seu amor por alguém incomum: um homem que nasce velho e rejuvenesce ao longo do tempo. Este é Benjamin Button. Abandonado recém-nascido e, por ironia do destino, criado num asilo, conhece-a ainda menina. Embora distantes por algum tempo, comunicam-se por cartas; Benjamin torna-se navegador e Daisy, bailarina de sucesso. Apesar dos universos e destinos diferentes, o tempo permite o encontro e os dois vivem uma história de amor, no ambiente cheio de esperanças dos anos 60.
Sob este prisma, o filme parece tratar de mais uma história comum, com amor, sofrimento e descobertas. Mas é nas sutilezas que mostra singularidade e poesia. Nesta tonalidade, a primeira lembrança confessada diz respeito a um relojoeiro quase cego, recomendado para fazer uma instalação na estação de trens. O inesperado ocorre na inauguração,quando todos vêem o relógio correr ao contrário. Para seu criador, era uma tentativa de fazer o tempo voltar e recuperar seu filho morto na guerra.
Benjamin é encantado pelo mar e pela força de seu Capitão Mike (Jared Harris). Apaixona-se por Daisy, mas vive passivamente este sentimento, enquanto a jovem vive intensamente. Envolve-se com a esposa de um diplomata que sonha (e realiza na velhice) atravessar a nado o canal da Mancha. A atitude do personagem sugere o ditado da sabedoria oriental, de placidez e complacência diante dos limites e circunstâncias. Suas restrições físicas, decepções amorosas e desafios não o levam à revolta. Nas diferentes situações, parece contemplativo, embora o mundo à sua volta fervilhe. Neste trecho da história, determinada pelo pós-guerra, pela revolução sexual e pela explosão de jovens atuantes, Button rejuvenesce a cada dia, embora seu olhar lembre resignação.
O contraste talvez repouse numa questão importante: embora os limites do tempo sejam intransponíveis, a vida é movimento e surpresa. Freud, em Além do princípio do prazer (1920), fala da luta entre as forças pulsionais de vida e de morte, movimento gerador de uma tensão inerente à condição humana. Como interagem a cada momento de prazer e relaxamento, uma nova força propulsora surge, gerando nova excitação, fruto da impossibilidade de satisfação ou do repouso absoluto, que seriam a morte. Quando se está vivo não caberá o definitivo, no campo das experiências e da vida psíquica. O desejo, então, depende da falta e de um sentimento de incompletude que, para a psicanálise, promove laços, desencontros, embates, paixões, a arte e, enfim, a cultura. De forma bem articulada, o enredo apresenta os momentos em que esperanças e frustrações seriam inevitáveis.
Como se perdoasse os altos e baixos dessa condição, Button é, ao mesmo tempo, protagonista e espectador, cercado por este mundo vibrante. Se não nos é possível escapar dos limites do tempo e da finitude, resta saborear as oportunidades oferecidas e contar coma força vital. Essa configuração de vida, morte e transformação ganha sentido especial com a chegada do furacão Katrina, que invade com águas violentas a cidade – e a fábrica de relógios. Vale lembrar Mario Quintana “...porque o tempo é uma invenção da morte, não o conhece a vida verdadeira, em que basta um momento de poesia, para nos dar a eternidade inteira”.

Erane Paladino é psicóloga clínica, coordenadora e professora do Departamento de Psicodinâmica do Instituto Sedes Sapientiae, autora do livro O adolescente e o conflito de gerações na sociedade contemporânea (Casa do Psicólogo)
 Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_armadilha_do_tempo_imprimir.html

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pilar & Saramago


"A Pilar, que não deixou que eu morresse"
Saramago, em A viagem do Elefante

"A Pilar que ainda não tinha nascido e tanto tardou a chegar."
Saramago

"Saramago é um ser excepcional, a sua dimensão é distinta e o seu perfil não é o habitual, por isso há tanta gente que não o entende"
Pilar

É Pilar del Rio, a jornalista, espanhola de Sevilha, agora viúva de José Saramago, que conta como o conheceu e como se identificaram tanto por serem marxistas e apaixonados pela literatura. Encontraram-se pela primeira vez em 1986 e o primeiro passeio que fizeram foi ao Cemitério dos Prazeres onde visitaram o túmulo de Fernando Pessoa.
Daí em diante, a literatura se encarregou de unir os dois, um senhor e uma jovem mulher (...)
A literatura parece primar por histórias assim, aos olhos do mundo incompreensíveis, mas que a todos encantam por realizarem o mito das almas gêmeas. Casaram-se e passaram a morar inicialmente em Lisboa, onde Pilar se sentia em casa, cumprindo a passagem bíblica de “o teu povo será o meu povo, a tua casa será a minha casa”.
O escritor e, frise-se, também poeta, José de Souza Saramago, nascido em Azinhaga, no Ribatejo/Portugal, em 16 de novembro de 1922 e falecido em 16 de junho de 2010, em Lanzarote, _ uma ilha espanhola, nas Ilhas Canárias, onde vivia com a mulher e musa. Nobel de Literatura e Prêmio Camões, sofreu perseguições da igreja católica pelas suas declarações e posições políticas. Não negou seu ateísmo.
Casaram-se Saramago e Pilar duas vezes, uma em Lisboa, 1988, e outra em Granada, Espanha, em 2007. Viveram 22 anos em harmonia. A única filha de Saramago, do primeiro casamento, Violante, está aos 63 anos de idade, portanto à frente de Pilar.
Sobre o que mais apreciava no marido, a segura e inteligente jornalista e tradutora de sua obra, María del Pilar del Rio Sánchez, disse em entrevista:
“La coherencia que tiene. Es que no hay posibilidad de distinción entre la persona y el escritor. Es un hombre de una sola pieza y es coherente de la mañana a la noche y de la noche al día.”
Saramago não acreditava na vida eterna e sim no amor, e sobre este disse: "Nossa única defesa contra a morte é o amor". Segundo Anabela Mota Ribeiro, afirmou sobre Pilar o escritor: “mais do que um anjo, uma mulher. Podia ser qualquer outra, dirá você. Pois, mas é esta. A diferença está aí. De anjo tem muito pouco. É de carácter demasiado forte”. E foi por ela que o escritor se tornou “el hombre que paró todos sus relojes a la misma hora solo por amor”, a hora em que conheceu Pilar.

Nota-se nas leituras sobre este tema que não era um amor espetacular, no sentido de show, mas um amor grandioso, moderno. Saramago, como vimos, frisou do caráter firme da sua mulher e não a compararia a um anjo, mas a uma mulher mesmo.
Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/homenagens/2328303

Só em teus braços - João Gilberto

Uma música em homenagem ao homem que amo com toda a minha alma...


Sim,
Promessas fiz,
Fiz projetos, pensei tanta coisa,
E agora o coração me diz
Que só em teus braços, meu bem,
Eu ia ser feliz
Eu tenho esse amor para dar,
O que é que eu vou fazer?
Eu tentei esquecer
E prometi,
Apagar da minha vida este sonho,
E vem o coração e diz
Que só em teus braços, amor,
Eu ia ser feliz
Que só em teus braços, amor
Eu ia ser feliz...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Travessuras de uma menina (trecho) - Clarice Lispector


Ali estava eu, a menina esperta demais, e eis que tudo o que em mim não prestava servia a Deus e aos homens. Tudo o que em mim não prestava era o meu tesouro.
Como uma virgem anunciada, sim. Por ele me ter permitido que eu o fizesse enfim sorrir, por isso ele me anunciara. Ele acabara e me transformar em mais do que o rei da Criação. Fizera de mim a mulher do rei da Criação. Pos logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera sem nojo da dor. Para que servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que não doa mais, meu amor (...) Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto (...)
(In: A descoberta do mundo, 1984, 409-10p)

domingo, 18 de julho de 2010

A Arte e a vida

Estes desenhos são de uma amiga que é artista:

Passei  o final de semana pensando num poema que combinasse com os desenhos mas nenhum digno o suficiente me veio a memória...
Até que o poeta Fernando Pessoa me acudiu:
"Belo é tudo aquilo que, sem nenhuma intelectualização, é objeto de satisfação do espírito".
Ao lembrar do que Pessoa disse, veio à tona o motivo pelo qual acho belo os olhos do meu amor...
E o porquê d´eu amar o mar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Perguntas e respostas para um caderno escolar - Clarice Lispector


-Qual é a coisa mais antiga do mundo?
-Poderia dizer que é Deus que sempre existiu.
-Qual é a coisa mais bela?
-O instante de inspiração.
-E Deus quando criou o Universo não o fez no momento de sua maior inspiração?
-O Universo sempre existiu. O Cosmos é Deus.
-Qual das coisas é a maior?
-O amor, que é o maior dos mistérios.
-Das coisas qual é a mais constante?
-O medo. Que pena que eu não possa responder: é a esperança.
-Qual é o melhor dos sentimentos?
-O de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um lugar-comum mas é uma das minhas verdades.
-Qual é o sentimento mais rápido?
- O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.
-Qual é a mais forte das coisas?
-O instinto de ser.
-O que é mais fácil de se fazer?
-Existir, depois que passa o medo.
-Qual é a coisa mais difícil de realizar?
-A própria relativa felicidade que vem do conhecimento de si mesmo.
(Depois as perguntas se tornaram mais complicadas).

(In: A descoberta do mundo, 1984, 478-9p).