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sábado, 1 de janeiro de 2011

O Intratável - Roland Barthes

Afirmação: contra tudo e contra todos, o sujeito afirma o amor como valor.
"O Beijo" - Rodin

Apesar das dificuldades de minha história, apesar dos mal-estares, das dúvidas, dos desesperos, apesar dos ímpetos de abandonar tudo, não paro de afirmar em mim mesmo o amor como um valor. Todos os argumentos que os mais diversos sistemas empregam para desmestificar, limitar, esmaecer, em suma, depreciar o amor, escuto-os, mas obstino-me: "Sei disso, mas mesmo assim...". Atribuo as desvalorizações do amor a uma espécie de moral obscurantista, a um realismo-farsa, contra os quais ergo o real do valor: opondo a tudo "o que não vale à pena" no amor a afirmação do que este vale. Esta teimosia é a profissão do amor (...).

Ulisses e Penélope, de "Odisséia".

Há duas afirmações no amor. Inicialmente, quando o amante encontra o outro, há afirmação imediata (psicologicamente: deslumbramento, entusiasmo, exaltação, louca projeção de um futuro pleno: sou devorado pelo desejo, pelo impulso de ser feliz): digo sim a tudo (cegando-me). Em seguida vem um longo túnel: meu primeiro sim é corroído por dúvidas, o valor amoroso é incessantemente ameaçado de depreciação: é o momento da paixão triste, do surgimento do ressentimento e da oblação. Desse túnel, entretanto, posso sair; posso superar, sem liquidar, o que afirmei uma primeira vez, posso novamente afirmar, sem repetir, pois agora, o que afirmo é a afirmação, não sua contingência: afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero seu retorno, não sua repetição. Digo ao outro (antigo ou novo): Recomecemos.

Dr. House & Dra. Cuddy

(In: Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.15-8).

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