"Ora, essas coisas psicanalíticas são compreensíveis se forem relativamente completas e detalhadas, exatamente como a própria análise só funciona se o paciente descer das abstrações substitutivas até os mais ínfimos detalhes. Disso resulta que a discrição é incompatível com uma boa exposição sobre a psicanálise. É preciso ser sem escrúpulos, expor-se, trair-se, comportar-se como o artista que compra tintas com o dinheiro da casa e queima os móveis para que o modelo não sinta frio. Sem alguma destas ações criminosas, não se pode fazer nada direito".
Mezan apud Freud à Oskar Pfister (2003, p.11).
Como diz um provérbio francês que Freud gostava de citar, para fazer uma omelete é preciso quebrar ovos (Mezan, 2003, p.18).
(...) [Freud] habitou a mesma casa por quarenta e sete anos; teve seis filhos de seu único casamento; (...) não teve casos de amor; tirou férias regularmente durante mais de cinquenta verões; e de modo geral teve uma vida nem mais nem menos sobressaltada do que a de tantos outros burgueses de sua geração (Ibidem, p.27-8).
Freud & Martha
(...) sempre foi agnóstico, e só se casou no cerimonial religioso porque o casamento civil não era reconhecido pela lei austríaca. Aliás, sua noiva, de família estritamente ortodoxa, recebe desde o início do namoro cartas detalhadas a respeito da questão religiosa: para Freud, estava fora de cogitação curvar-se a rituais que considerava obsoletos e constrangedores. Por outro lado, a leitura precoce da Bíblia deixou nele profundas marcas: identificava-se com José (o intérprete de sonhos) e sobretudo com Moisés, a quem dedicará dois textos fundamentais (O Moisés de Michelangelo e Moisés e o Monoteísmo) (Ibidem, p.34).
(...) sempre foi agnóstico, e só se casou no cerimonial religioso porque o casamento civil não era reconhecido pela lei austríaca. Aliás, sua noiva, de família estritamente ortodoxa, recebe desde o início do namoro cartas detalhadas a respeito da questão religiosa: para Freud, estava fora de cogitação curvar-se a rituais que considerava obsoletos e constrangedores. Por outro lado, a leitura precoce da Bíblia deixou nele profundas marcas: identificava-se com José (o intérprete de sonhos) e sobretudo com Moisés, a quem dedicará dois textos fundamentais (O Moisés de Michelangelo e Moisés e o Monoteísmo) (Ibidem, p.34).
(...) a seus olhos, o judaísmo - mesmo abandonado como conjunto de crenças e de práticas - favorecia o espírito científico. (...) A este aspecto soma-se a disponibilidade para se colocar na oposição, isto é, para aceitar com equanimidade sua exclusão da maioria. Independência de julgamento e tenacidade são, pois, as qualidades que Freud atribui à sua origem judaica, e que considera terem sido indispensáveis para a criação de sua disciplina (Ibidem p. 38-9).
(...) Por importante que seja o elemento judaico em sua formação, é impossível deixar de lado a educação ocidental por ele recebida, no ginásio austríaco e na Universidade de Viena.
Esta educação enfatiza dois elementos: a cultura humanística e a ciência, e ambos foram avidamente absorvidos por Freud. Seus escritos são pontilhados de citações da literatura poética, dramática e novelesca, que conhecia bem; entre os autores que admirava, figuram os clássicos gregos e latinos, Shakespeare, Cervantes, Goethe, Heine, Schiller, além de numerosos escritores contemporâneos, como Stefan Zweing, Arthur Schnitzler, Thomas Mann, Henrik Ibsen, Émile Zola e outros. Na obra destes homens, encontrou não apenas um prazer estético, mas ainda inquietações universais, modelos para o seu estilo - de uma clareza e de uma precisão extraordinárias - e, como dirá muitas vezes, a descrição dos processos mais obscuros da alma humana, que, em seu entender, prefiguram muitas das descobertas da psicanálise (Ibidem, p. 48).

(...) Freud se enganava ao pensar que bastaria comunicar ao paciente o sentido inconsciente de suas palavras para curá-lo de seus sintomas neuróticos; na verdade, esta comunicação tem que ser feita no momento adequado, quando o paciente pode aceitar a interpretação e elaborá-la por si mesmo. o grande problema da técnica psicanalítica é saber discernir este "momento adequado", sem o que a interpretação só aumenta as resistências (Ibidem, p.76-7).
"(...) não se pode distinguir um fato realmente ocorrido de uma ficção investida afetivamente".
Freud à Fliess
A tarefa primordial da civilização consiste em proteger os homens da violência da natureza e da violência inerente às pulsões do inconsciente, que também são, de certo modo, um "fragmento da natureza". Para tanto, ela impõe restrições ao desejo individual e o obriga a tolerar uma certa quantidade de renúncia, posto que a realização simultânea e imediata de todos os desejos conduziria à aniquilação da espécie humana. Em particular, os desejos sexuais e agressivos têm de ser submetidos a controles cuja severidade é variável segundo as civilizações, mas que envolvem uma dose indispensável de repressão, a qual pode atingir níveis alarmantes e engendrar, como no caso da civilização moderna um sofrimento desnecessário que se manifesta como neurose.
Para consolar o homem desta frustração inevitável, a civilização proporciona vias de escape para o desejo, especialmente a religião, a filosofia e a arte, cujo fundamento último é a faantasia, na qual prevalece o princípio do prazer (Ibidem, p.133-4).
E se ele [Freud] caracteriza o trabalho do artista como sendo de natureza a permitir ao destinatário da obra a fruição não culposa de suas próprias fantaisas, conduzindo assim a um levantamento relativo da repressão, tampouco é possível ignorar que o convite do psicanalista à livre-associação envolve promessas que, afinal, não deixam de ter um sentido semelhante...(Ibidem, p.143-4).
Freud & Ana
(...) olhar pelo buraco da fechadura é sempre arriscado - e indiscreto. Mas a indiscrição nem sempre é falta grave: afinal, sem se ser um pouco criminoso, um pouco malandro e um pouco ousado, "não se pode fazer nada direito" (Ibidem, p.152).
(Renato Mezan em "Freud: a conquista do proibido". São Paulo: Ateliê, 2003).