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terça-feira, 17 de outubro de 2023
Jennifer Zambra - por Alejandro Zambra
terça-feira, 22 de agosto de 2023
Não é um rio - Selva Almada (trecho)
"Justo nessa hora um vento se mete pelas árvores, e tudo está tão calado, por conta da hora, que o rumor das folhas cresce como a respiração de um animal enorme. Escute só como respira. Um bufar. Os galhos se mexem como costelas, inflando-se como o ar que se mete pelas entranhas.
Não são apenas árvores. Nem arbustos.
Não são apenas pássaros. Nem insetos.
O jacurutu não é um gato-do-mato, se bem que às vezes, pareça.
Não são uns preás. É este preá.
Esta urutu.
Este caraguatá, único, com seu centro vermelho como o sangue de uma mulher.
Se espicha a vista, descendo a rua, chega a ver o rio. Um brilho que umedece os olhos. E de novo: não é um rio, é este rio. Aguirre passou mais tempo com ele que com qualquer pessoa.
Pois bem.
Quem lhes deu permissão?
Não era uma arraia. Era aquela arraia. Um bicho lindo, toda aberta no barro do fundo, devia estar brilhando branca feito uma noiva na profundidade sem luz. Rente ao limo ou planando com seus tules, magnólia das águas, procurando comida, perseguindo a transparência das lavas, as raízes esqueléticas. Os anzóis enganchados nas asas, os puxões ao longo da tarde inteira, até que se desse por vencida. Os tiros. Arrancada do rio só para ser devolvida depois.
Morta".
(Não é um rio. São Paulo: Todavia, 2021, p. 51-52).
Com Selva Almada, em SP - Agosto/2023. |
terça-feira, 18 de abril de 2023
O tempo entretanto corria...... Dino Buzzati
"O tempo entretanto corria, cada vez mais precipitadamente a vida com sua batida silenciosa, não se pode parar um segundo sequer, nem mesmo para olhar para trás. "Pare, pare!", se desejaria gritar, mas vê-se que é inútil. Tudo se esvai, os homens, as estações, as nuvens; e não adianta agarrar-se às pedras, resistir no topo de algum escolho, os dedos cansados se abrem, os braços se afrouxam, inertes, acaba-se arrastado pelo rio, que parece lento, mas não para nunca.
Dia após dia Drogo sentia aumentar essa ruína, e em vão tentava estancá-la. Na vida uniforme do forte faltavam-lhe pontos de referência, e as horas lhe fugiam antes que eles conseguisse contá-las.
Havia também a esperança secreta pela qual Drogo dissipara a melhor parte da vida. Para alimentá-la, sacrificava levianamente meses e meses, e nunca era suficiente. O inverno, o longuíssimo inverno do forte, não foi senão uma espécie de adiamento. Terminado o inverno, Drogo ainda esperava.
"Chegando a boa estação", pensava ele, "os estrangeiros retomarão os trabalhos da estrada". Mas não estava mais disponível a luneta de Simeoni, que permitia vê-los. Todavia, com a sequência dos trabalhos - sabe-se lá quanto ainda seria preciso-, os estrangeiros se aproximariam e um belo dia chegariam ao alcance das velhas lunetas consignadas a alguns corpos de guarda.
Por isso, Drogo deixara de estabelecer o prazo de sua espera na primavera, transferindo-o para alguns meses mais tarde, sempre na hipótese de que a estrada estivesse realmente sendo construída. E devia matutar todos esses pensamentos em segredo, porque Simeoni, com medo de aborrecimentos, não queria mais saber de nada disso, os demais companheiros fariam pouco dele, os superiores desaprovavam fantasias daquele tipo.
(...). Aos poucos a fé se enfraquecia. É difícil acreditar numa coisa quando se está sozinho e não se pode falar com ninguém. Justamente naquela época Drogo deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela; que, se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande, e é isso o que causa a solidão da vida.
A fé começava a se cansar e a impaciência crescia, enquanto Drogo ouvia que as batidas do relógio se tornavam cada vez mais densas".
sexta-feira, 7 de abril de 2023
O sexo como uma coisa natural e vital - D. H. Lawrence
(In. O amante de lady Chattterley. Rio de Janeiro: Antofágica, 2022, p. 402).
Uma sensualidade absoluta e fervorosa - D. H. Lawrence
(In. O amante de lady Chatterley. Rio de Janeiro: Antofágica: 2022, p. 383).
quarta-feira, 1 de março de 2023
Talvez toda essa higiene de não ter esperança seja um pouco ridícula... - Adolfo Bioy Casares
sábado, 31 de dezembro de 2022
La tendencia a querer comprenderlo todo - Javier Marias
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
No tempo da minha memória somos pra sempre - Aline Bei
"Em são paulo
o Vento ganhou banho,
levou ponto,
tomou vacina.
e o veterinário disse que foi corajoso
meu ato
sorri sem jeito.
-ele ficou até com cara de menino - eu disse
passando a mão no pelo dele.
-não ficou? mas olha,
foi bom você ter falado nisso.
porque mesmo que não dê pra gente saber qual é a
idade exata dele,
dá pra saber que ele já é bem idoso.
- claro. - respondi.
entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas.
em casa eu disse pro Vento
- Chegamos.
ele me ouviu de lado
batendo o rabo
no vaso
que espatifou no chão.
-deixa pra lá, depois eu limpo.
ele subiu no sofá,
se ajeitou como pode naquilo que, com certeza,
era a melhor cama que ele já teve, os olhos
derramando porto
mais que vinho.
- não me importo - eu disse pra ele - que seja breve o
nosso encontro.
porque no tempo da minha
memória
somos pra sempre. não existe morrer dentro, é como
uma canção.
as canções não morrem nunca porque elas moram
dentro das pessoas que gostam delas. você conhece
aquela da rua? se
essa rua
se essa rua fosse minha?
eu mandava eu mandava ladrilhar
com pedrinhas com pedrinhas de brilhante
para o meu
para o meu
Vento passar. nessa rua nessa rua tem um bosque. que
se chama que se chama solidão.
dentro dele dentro dele mora um
Vento
que roubou
que roubou meu
coração " - (pp. 111-113).
(In. O peso do pássaro morto. Aline Bei. São Paulo: Editora Nós, 2017).
Comentário: Pelo grito nascemos. E na dor vivemos. Mas se tivermos sorte vamos morrendo um pouquinho por vez até chegar o dia em que para definitivamente de doer. Existem situações entretanto que abrem um buraco no eu por onde escorremos até não sobrar nada além de um autômato que espera o fim que venha formalizar a morte. Esta espera é pior que qualquer dor. "O peso do pássaro morto" faz Arte da dor....o tipo de Arte que nos ajuda a não morrer em vida. Que beleza.....
O mapeador de ausências - Mia Couto
(In. Mia Couto. O mapeador de ausências. São Paulo: Companhia das Letras, 2021 - edição especial TAG).
segunda-feira, 19 de julho de 2021
Natalia Ginzburg & a Psicanálise
sexta-feira, 16 de julho de 2021
O amigo - Sigrid Nunez
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Zazie no metrô - Raymond Queneau
"- Então, por que é que você quer ser professora?
- Pra encher o saco das crianças - respondeu Zazie. - As crianças que tiverem a minha idade daqui a dez anos, vinte anos, cinquenta anos, cem anos, mil anos, sempre vai ter crianças para serem aporrinhadas.
(...)
- Sabia - disse Gabriel, com calma -, segundo os jornais, não é de jeito nenhum nessa direção que caminha a educação moderna. É totalmente o contrário. Vamos na direção da suavidade, da compreensão, da gentileza. Não é isso, Marceline, o que dizem no jornal?
- É - respondeu Marceline, suavemente. - Mas violentaram você na escola, Zazie?
- Queria ver eles tentarem.
- Além disso - disse Gabriel -, daqui a vinte anos não vai mais ter professoras: vão ser trocadas pelo cinema, pela tevê, pelos eletrônicos, essas coisas. Também estava escrito no jornal, outro dia. Não é, Marceline?
- É - respondeu Marceline, suavemente.
Zazie vislumbrou aquele futuro por um instante.
- Então - declarou - vou ser astronauta.
- Isso aí - disse Gabriel, aprovando. - Isso aí, é preciso viver de acordo om os tempos.
- É - continuou Zazie -, vou ser astronauta para encher o saco dos marcianos".
(In. Zazie no metrô. Raymond Queneau. São Paulo: Cosacnaify, 2009, pp. 20-21).
quarta-feira, 14 de julho de 2021
Sim, eu a amava - Samuel Beckett
"Sim, eu a amava, é o nome que eu dava, que ainda dou, ai de mim, ao que eu fazia, naquela época. Eu não tinha dados sobre isso, nunca tendo amado antes, mas tinha ouvido falar da coisa, naturalmente, em casa, na escola, no bordel, na igreja, e tinha lido romances, em prosa e em verso, sob a direção do meu tutor, em inglês, francês, italiano, alemão, nos quais ele era tratado em detalhes. Portanto eu era capaz, apesar de tudo, de dar um nome ao que eu fazia, quando me via de repente escrevendo a palavra Lulu (...). Eu pensava em Lulu e, se isso não é tudo, já é o suficiente, na minha opinião. Aliás, já estou farto desse nome, Lulu, e vou lhe dar outro, de uma sílaba dessa vez, Anne por exemplo, não é uma sílaba mas não importa. Então eu pensava em Anne, eu que tinha aprendido a não pensar em nada, a não ser nas minhas dores, muito rapidamente, depois nas medidas para não morrer de fome, ou de frio, ou de vergonha, mas jamais, sob nenhum pretexto, nos seres vivos enquanto tais (eu me pergunto o que isso quer dizer), não importando o que eu possa ter dito ou possa me acontecer dizer a esse respeito. Pois eu sempre falei, sempre falarei de coisas que nunca existiram, ou que existiram, se quiserem, e que provavelmente sempre existirão, mas não com a existência que atribuo a elas (...). Eu a admirava, apesar da escuridão, apesar do meu incômodo, o modo como a água parada, ou que corre lentamente, se ergue, como que sedenta, em direção à que cai (...). É preciso considerar que eu estava fora de mim naquela época. Eu não me sentia bem ao lado dela, mas pelo menos me sentia livre para pensar em outra coisa que não ela, e isso já era enorme, nas velhas coisas experimentadas, uma depois da outra, e assim pouco a pouco em nada, como que descendo gradualmente em águas profundas. E eu sabia que, abandonando-a, perderia essa liberdade (...).Teriam sido necessários outros amores, talvez. Mas o amor não se encomenda".
(In. Primeiro amor. Samuel Beckett. São Paulo: Cosacnaify, 2004).
terça-feira, 13 de julho de 2021
Who are you? - Lina Meruane
(...)
"Enquanto lava os pratos e panelas e todos os copos sujos do dia, Zima diz ter compreendido com o tempo que sua família não havia traído: permanecer é continuar marcando a presença de uma cidadania palestina que os israelenses tentam negar (...). E que a condição de refugiados para os palestinos, e só para eles, para nós, é hereditária. É importante defender esta herança, não porque todos estejam sofrendo, mas porque foram deslocados por circunstâncias histórica. O que importa é não perder a possibilidade de retorno. Reivindicá-lo" - (pp. 86-87).
(In. Tornar-se Palestina. Lina Meruane. Minas Gerais: Relicário, 2019).
Mais sobre o livro:
https://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/p/retornar-e-preciso
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Somos adultos - Natalia Ginzburg