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quarta-feira, 1 de março de 2023
Talvez toda essa higiene de não ter esperança seja um pouco ridícula... - Adolfo Bioy Casares
sábado, 31 de dezembro de 2022
La tendencia a querer comprenderlo todo - Javier Marias
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
No tempo da minha memória somos pra sempre - Aline Bei
"Em são paulo
o Vento ganhou banho,
levou ponto,
tomou vacina.
e o veterinário disse que foi corajoso
meu ato
sorri sem jeito.
-ele ficou até com cara de menino - eu disse
passando a mão no pelo dele.
-não ficou? mas olha,
foi bom você ter falado nisso.
porque mesmo que não dê pra gente saber qual é a
idade exata dele,
dá pra saber que ele já é bem idoso.
- claro. - respondi.
entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas.
em casa eu disse pro Vento
- Chegamos.
ele me ouviu de lado
batendo o rabo
no vaso
que espatifou no chão.
-deixa pra lá, depois eu limpo.
ele subiu no sofá,
se ajeitou como pode naquilo que, com certeza,
era a melhor cama que ele já teve, os olhos
derramando porto
mais que vinho.
- não me importo - eu disse pra ele - que seja breve o
nosso encontro.
porque no tempo da minha
memória
somos pra sempre. não existe morrer dentro, é como
uma canção.
as canções não morrem nunca porque elas moram
dentro das pessoas que gostam delas. você conhece
aquela da rua? se
essa rua
se essa rua fosse minha?
eu mandava eu mandava ladrilhar
com pedrinhas com pedrinhas de brilhante
para o meu
para o meu
Vento passar. nessa rua nessa rua tem um bosque. que
se chama que se chama solidão.
dentro dele dentro dele mora um
Vento
que roubou
que roubou meu
coração " - (pp. 111-113).
(In. O peso do pássaro morto. Aline Bei. São Paulo: Editora Nós, 2017).
Comentário: Pelo grito nascemos. E na dor vivemos. Mas se tivermos sorte vamos morrendo um pouquinho por vez até chegar o dia em que para definitivamente de doer. Existem situações entretanto que abrem um buraco no eu por onde escorremos até não sobrar nada além de um autômato que espera o fim que venha formalizar a morte. Esta espera é pior que qualquer dor. "O peso do pássaro morto" faz Arte da dor....o tipo de Arte que nos ajuda a não morrer em vida. Que beleza.....
O mapeador de ausências - Mia Couto
(In. Mia Couto. O mapeador de ausências. São Paulo: Companhia das Letras, 2021 - edição especial TAG).
segunda-feira, 19 de julho de 2021
Natalia Ginzburg & a Psicanálise
sexta-feira, 16 de julho de 2021
O amigo - Sigrid Nunez
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Zazie no metrô - Raymond Queneau
"- Então, por que é que você quer ser professora?
- Pra encher o saco das crianças - respondeu Zazie. - As crianças que tiverem a minha idade daqui a dez anos, vinte anos, cinquenta anos, cem anos, mil anos, sempre vai ter crianças para serem aporrinhadas.
(...)
- Sabia - disse Gabriel, com calma -, segundo os jornais, não é de jeito nenhum nessa direção que caminha a educação moderna. É totalmente o contrário. Vamos na direção da suavidade, da compreensão, da gentileza. Não é isso, Marceline, o que dizem no jornal?
- É - respondeu Marceline, suavemente. - Mas violentaram você na escola, Zazie?
- Queria ver eles tentarem.
- Além disso - disse Gabriel -, daqui a vinte anos não vai mais ter professoras: vão ser trocadas pelo cinema, pela tevê, pelos eletrônicos, essas coisas. Também estava escrito no jornal, outro dia. Não é, Marceline?
- É - respondeu Marceline, suavemente.
Zazie vislumbrou aquele futuro por um instante.
- Então - declarou - vou ser astronauta.
- Isso aí - disse Gabriel, aprovando. - Isso aí, é preciso viver de acordo om os tempos.
- É - continuou Zazie -, vou ser astronauta para encher o saco dos marcianos".
(In. Zazie no metrô. Raymond Queneau. São Paulo: Cosacnaify, 2009, pp. 20-21).
quarta-feira, 14 de julho de 2021
Sim, eu a amava - Samuel Beckett
"Sim, eu a amava, é o nome que eu dava, que ainda dou, ai de mim, ao que eu fazia, naquela época. Eu não tinha dados sobre isso, nunca tendo amado antes, mas tinha ouvido falar da coisa, naturalmente, em casa, na escola, no bordel, na igreja, e tinha lido romances, em prosa e em verso, sob a direção do meu tutor, em inglês, francês, italiano, alemão, nos quais ele era tratado em detalhes. Portanto eu era capaz, apesar de tudo, de dar um nome ao que eu fazia, quando me via de repente escrevendo a palavra Lulu (...). Eu pensava em Lulu e, se isso não é tudo, já é o suficiente, na minha opinião. Aliás, já estou farto desse nome, Lulu, e vou lhe dar outro, de uma sílaba dessa vez, Anne por exemplo, não é uma sílaba mas não importa. Então eu pensava em Anne, eu que tinha aprendido a não pensar em nada, a não ser nas minhas dores, muito rapidamente, depois nas medidas para não morrer de fome, ou de frio, ou de vergonha, mas jamais, sob nenhum pretexto, nos seres vivos enquanto tais (eu me pergunto o que isso quer dizer), não importando o que eu possa ter dito ou possa me acontecer dizer a esse respeito. Pois eu sempre falei, sempre falarei de coisas que nunca existiram, ou que existiram, se quiserem, e que provavelmente sempre existirão, mas não com a existência que atribuo a elas (...). Eu a admirava, apesar da escuridão, apesar do meu incômodo, o modo como a água parada, ou que corre lentamente, se ergue, como que sedenta, em direção à que cai (...). É preciso considerar que eu estava fora de mim naquela época. Eu não me sentia bem ao lado dela, mas pelo menos me sentia livre para pensar em outra coisa que não ela, e isso já era enorme, nas velhas coisas experimentadas, uma depois da outra, e assim pouco a pouco em nada, como que descendo gradualmente em águas profundas. E eu sabia que, abandonando-a, perderia essa liberdade (...).Teriam sido necessários outros amores, talvez. Mas o amor não se encomenda".
(In. Primeiro amor. Samuel Beckett. São Paulo: Cosacnaify, 2004).
terça-feira, 13 de julho de 2021
Who are you? - Lina Meruane
(...)
"Enquanto lava os pratos e panelas e todos os copos sujos do dia, Zima diz ter compreendido com o tempo que sua família não havia traído: permanecer é continuar marcando a presença de uma cidadania palestina que os israelenses tentam negar (...). E que a condição de refugiados para os palestinos, e só para eles, para nós, é hereditária. É importante defender esta herança, não porque todos estejam sofrendo, mas porque foram deslocados por circunstâncias histórica. O que importa é não perder a possibilidade de retorno. Reivindicá-lo" - (pp. 86-87).
(In. Tornar-se Palestina. Lina Meruane. Minas Gerais: Relicário, 2019).
Mais sobre o livro:
https://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/p/retornar-e-preciso
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Somos adultos - Natalia Ginzburg
quarta-feira, 14 de abril de 2021
A lua e as fogueiras - Cesare Pavese
terça-feira, 23 de março de 2021
As inseparáveis - Simone de Beauvoir
Simone de Beauvoir & sua inseparável Zaza Mais sobre o livro: https://revistacult.uol.com.br/home/as-inseparaveis-simone-de-beauvoir/ |
quinta-feira, 11 de março de 2021
A estrangeira - Claudia Durastanti
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
A cachorra - Pilar Quintana (trecho)
"Rogelio era um negro grande e musculoso, com uma cara zangada permanente. Quando Damaris chegou em casa com a cachorra, ele estava do lado de fora, limpando o motor da roçadeira. Nem sequer se deu o trabalho de cumprimentá-la e disparou:
- Outro cachorro? Nem pense que eu vou cuidar dele.
- `Por acaso alguém pediu alguma coisa a você? - retrucou Damaris, seguindo direto para o casebre.
A seringa não funcionou. O braço de Damaris era forte, porém desajeitado, e os seus dedos tão gordos como o resto de sua pessoa. Cada vez que empurrava, o êmbolo ia até o final e o jorro de leite saía com tudo do focinho da cachorra, derramando-se por todo lado. Como a cachorra não sabia lamber, Damaris não podia lhe dar o leite em uma vasilha, e as mamadeiras vendidas no povoado eram para bebês humanos, grandes demais. Seu Jaime lhe recomendou que usasse um conta-gotas, e ela tentou fazer isso, mas bebendo dessa forma a cachorra não encheria a barriga nunca. Então ela teve a ideia de embeber pão no leite e deixar que a cachorra o sugasse. Essa foi a solução: ela o devorou inteiro.
O casebre onde moravam não ficava na praia, e sim em um rochedo de mata onde as pessoas brancas da cidade tinham casas de veraneio grandes e bonitas, com jardins, caminhos de pedras e piscinas. Para chegar ao povoado, descia-se por uma escadaria comprida e íngreme que, como chovia muito, tinham que esfregar com frequência para retirar a lama e par que não ficasse escorregadia. Depois era preciso atravessar a angra, um braço de mar largo e caudaloso como um rio, que se enchia e esvaziava com a maré.
Naqueles dias a maré estava alta pela manhã, de modo que, para comprar o pão para a cachorrinha, Damaris tinha que se levantar na primeira hora, sair do casebre já carregando o remo, descer a escada com ele no ombro, empurrar a canoa desde o cais, colocá-la na água, remar até o outro lado, amarrar a canoa a um coqueiro, levar o remo no ombro até a casa de algum pescador que morasse junto à angra, pedir ao pescador, sua mulher ou às crianças que cuidassem dela, ouvir as lamúrias e as histórias do vizinho e atravessar meio povoado a pé, até a venda de seu Jaime...E a mesma coisa na volta. Todos os dias, mesmo sob a chuva.
Durante o dia, Damaris levava a cachorra enfiada no sutiã, entre os seios macios e fartos, para mantê-la quentinha. à noite, deixava-a na caixa de papelão que seu Jaime tinha dado a ela, com uma garrafa de água quente e a camiseta usada por ela naquele dia, para que não sentisse falta de seu cheiro.
O casebre em que moravam era de madeira e estava em mau estado. Quando caía uma tempestade, tremia com os trovões e balançava com o vento, a água entrava pelas goteiras do teto e pelas frestas nas tábuas das paredes, tudo ficava frio e úmido, e a cadela punha-se a choramingar. Fazia muito tempo que Damaris e Rogelio dormiam em quartos separados, e nestas noites ela se levantava depressa, antes que ele pudesse dizer ou fazer algo. Tirava a cachorra da caixa e ficava com ela na escuridão, acarinhando-a, morta de susto por causa das explosões dos raios e da fúria do vendaval, sentindo-se diminuta, menor e menos importante no mundo do que um grão de areia do mar, até que a cachorra se aquietava.
Também a acarinhava de dia, à tarde, depois que acabava as tarefas da manhã e o almoço, e sentava-se em uma cadeira de plástico para assistir às novelas com ela no colo. Quando estava no casebre, Rogelio a via passando os dedos pelo dorso da cachorra, mas não fazia nem dizia nada".
(In. A cachorra. Pilar Quintana. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020, pp.16-18).
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Autobiografia - Woody Allen
Eu fui o sol das cinco irmãs de minha irmã, o único varão, o queridinho dessas doces fofoqueiras que babavam sobre mim. Nunca fiquei sem uma refeição, nem careci de roupas ou abrigo, nunca fui acometido por nenhuma doença séria, como a pólio, que assolava a cidade. Eu não tinha síndrome de Down como um moleque da minha sala, nem era corcunda como o pequeno Jenny ou sofria de alopecia como o Schartz. Eu era saudável, popular, bem atlético, sempre o primeiro a ser escolhido nas esquipes esportivos. Jogava bola, corria e, ainda assim, acabei me tornando nervoso, medroso, um caco emocional, mantendo a compostura por um fio, um misantropo, claustrofóbico, isolado, amargurado, um pessimista impecável. Algumas pessoas veem o copo meio vazio; outras veem meio cheio. Eu sempre vi o caixão meio cheio. Das milhares de reações naturais do corpo, eu consegui evitar quase todas, exceto a número 682: o mecanismo de negação. Minha mãe falava que não conseguia entender. Dizia que eu era um garotinho doce e animado até uns cinco anos, quando mudei para um moleque feio, azedo, chato e de ovo virado.
Mas não há trauma na minha vida, nada de terrível que tenha ocorrido e me transformado de um garotinho sardento sorridente vestindo calções e sempre com uma vara de pesca em uma das mãos num lorpa cronicamente insatisfeito. Especulo que, por volta dos cinco anos, eu tenha tomado consciência da moralidade e percebido que, afe, u não pedi isso. Nunca concordei em ser finito. Se você não se importar, quero meu dinheiro de volta. Conforme fiquei mais velho, não apenas a extinção, mas também a falta de sentido da existência se tornaram mais claras para mim. Eu me deparei com a mesma pergunta que incomodava o antigo príncipe da Dinamarca: por que sofrer com os tiros e flechadas quando posso apenas molhar meu nariz, enfiá-lo numa tomada e nunca mais ter que lidar com a ansiedade, o sofrimento ou o frango cozido da minha mãe? Hamlet escolheu não fazer isso porque temia o que poderia acontecer no além. E então, dada minha profunda falta de apreço pela condição humana e seu doloroso absurdo, por que seguir com isso? No fim, eu não pude achar uma razão lógica e finalmente cheguei à conclusão de que, como humanos, simplesmente somos programados para resistir à morte. O sangue vence o cérebro. Não há razão lógica par se prender à vida, mas quem se importa com o que a cabeça diz quando o coração te pergunta: "Viu a Lola naquela minissaia?". Por mais que eu resmungue, reclame e insista firmemente que a vida é um pesadelo sem sentido de sofrimento e lágrimas, se um homem entrasse na sala com uma faca para nos matar, nós insistentemente reagiríamos. Nós o agarraríamos e lutaríamos com cada grama de nossa energia para desarmá-lo e sobreviver. (Pessoalmente, eu correria). Isso, eu insisto, é uma propriedade estrita de nossas moléculas. Agora, você já deve ter percebido que não apenas não sou um intelectual, como também não sou uma companhia divertida nas festas" (pp.15-16).
(In. Autobiografia. Rio de Janeiro: Globo Livros: 2020).
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Cesare Pavese por Natalia Ginzburg
"Pavese cometia erros mais graves que os nossos. Porque os nossos erros eram gerados por impulso, imprudência, estupidez e candura; e os erros de Pavese, ao contrário, nasciam da prudência, da astúcia, do raciocínio e da inteligência. Nada é tão perigoso quanto essa espécie de erro. Podem ser mortais, como foram para ele, porque é difícil voltar pelos caminhos em que se errou por astúcia. Os erros que se cometem por astúcia envolvem-nos estreitamente: a astúcia finca em nós raízes mais profundas do que a irreflexão ou a imprudência: como se desprender desses laços tão tenazes, tão apertados, tão profundos? A prudência, o raciocínio, a astúcia, têm o rosto da razão: o rosto, a voz amarga da razão, que argumenta com seus argumentos infalíveis, aos quais não há nada a responder, só a concordar.
Pavese matou-se num verão em que nenhum de nós estava em Turim. Preparara e maquinara as circunstâncias que diziam respeito à sua morte, como alguém que prepara e predispõe o curso de um passeio ou de uma noitada. Não gostava de que houvesse nos passeios e nas noitadas nada de imprevisto ou de casual. Quando ele, eu, os Balbo e o editor íamos passear na colina irritava-se muito se algo desviava o curso predisposto por ele, se alguém chegava tarde ao encontro, se mudávamos o programa de repente, se se juntava a nós uma pessoa imprevista, se uma circunstância fortuita nos levava a comer, em lugar do restaurante que ele escolhera previamente, na casa de algum conhecido encontrado inesperadamente pelo caminho. O imprevisto incomodava-o. Não gostava de ser pego de surpresa.
Falara em se matar durante anos. Nunca ninguém acreditou nele. Quando vinha à nossa casa, minha e de Leone, comendo cerejas, e os alemães tomavam a França, já então falava nisso. Não pela França, não pelos alemães, não pela guerra assaltando a Itália. Tinha medo da guerra, mas não o suficiente para se matar por causa dela. Porém, continuou tendo medo da guerra, mesmo depois que a guerra tinha acabado havia muito tempo: como de resto todos nós. Pois logo que a guerra terminou, aconteceu de voltarmos imediatamente a ter medo de uma nova guerra, e a pensar sempre nisso. E ele temia uma nova guerra mais do que nós todos. E nele o medo era maior do que em nós: nele, o medo era o turbilhão do imprevisto e do incognoscível, que parecia horrendo à lucidez de seu pensamento; águas escuras, turbulentas venenosas nas margens despojadas de sua vida.
No fundo, não tinha nenhum motivo real para se matar. Mas juntou mais motivos e calculou a soma deles, com fulminante exatidão, e juntou-os novamente e novamente viu, assentindo com seu sorriso maligno, que o resultado era idêntico e portanto exato. Olhou até além de sua vida, nos nossos dias futuros, olhou como iriam se comportar as pessoas em relação aos seus livros e à sua memória. Olhou para além da morte, como os que amam a vida e não sabem apartar-se dela, e mesmo pensando na morte não vão imaginando a morte, mas a vida. Ele, no entanto, não amava a vida, e aquele seu olhar para além da própria morte não era amor pela vida, mas um cálculo cuidadoso de circunstâncias para que nada, nem mesmo depois de morto, pudesse pegá-lo de surpresa" - (pp.216-218).
(In. Natália Ginzburg. Léxico familiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2018).